“Bolsonaro entregou patrimônio, soberania e empregos para agradar Donald Trump, em um alinhamento submisso sem contrapartidas ao Brasil”, aponta o cientista político Alexandre Aragão de Albuquerque
Confira:
No intuito de contribuir para a compreensão do tempo presente, um dos escopos de nossa reflexão, vamos tratar aqui de três episódios significativos, com evidente ligação ao ataque político deflagrado pelo governo trumpista contra o povo brasileiro, com a edição do tarifaço de julho de 2025 sobre produtos nacionais e nas sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Os referidos episódios são um verdadeiro entreguismo do bolsofascismo, em seu exercício do poder executivo federal (2019-2022), que vai muito além de prestar continência à bandeira estadunidense ou às declarações de amor a Donald Trump, proferidas por Jair Bolsonaro e divulgadas amplamente na mídia digital, de vasto conhecimento público.
Durante o seu mandato, Bolsonaro promoveu uma série de medidas favoráveis aos interesses econômicos dos Estados Unidos, com nítida intenção de agradar ao governo de Donald Trump. Três medidas emblemáticas destacaremos aqui por ilustrarem esse padrão.
Isenção de tarifa de importação do etanol norte-americano: o governo brasileiro lambendo os pés de Washington – Desde 2019, Bolsonaro veio repetidamente beneficiando a importação do etanol produzido nos Estados Unidos, agraciando diretamente os produtores do chamado Corn Belt (Cinturão do Milho), base eleitoral de Trump. Era época de Ernesto Araújo como ministro das Relações Exteriores e Eduardo Zero Três, indicado pelo pai para ser embaixador do Brasil nos EUA pelo fato de haver vendido hambúrgueres no estado do Maine. O mesmo Zero Três que agora conspira abertamente contra o povo brasileiro, direto de Washington, D.C.
O Cinturão do Milho é uma região agrícola no centro-oeste daquele país, conhecida pela sua alta produção de milho e soja, composta pelos estados de Iowa, Missouri, Illinois, Indiana, leste do Kansas, leste de Nebraska e sul de Michigan. O Corn Belt desempenha um papel crucial naquela economia agrícola, sendo responsável por grande parte de suas exportações.
Em 2020, o governo Bolsonaro decidiu zerar a alíquota de importação do etanol estadunidense, medida tomada sem nenhuma contrapartida comercial, exclusivamente para agradar ao governo de Donald Trump.
Essa medida prejudicou a indústria brasileira de etanol, especialmente no Nordeste do Brasil, onde o setor é vital para a economia da região. O etanol norte-americano é produzido com fortes subsídios estatais e em larga escala, penetrando no mercado brasileiro com preços bastante competitivos, ameaçando empregos e empresas brasileiras.
O advogado Pedro Guedes, professor de Relações Internacionais (Unisinos), em artigo no sítio Adital (14/09/2020), afirmou que a chegada do projeto da extrema-direita, com Bolsonaro, acelerou o ataque agressivo à Petrobras, com a liquidação da BR Distribuidora e a desativação de refinarias, num verdadeiro desmonte da soberania nacional na área estratégica de energia, gás e petróleo.
Ao assumir o poder em 2023, o governo Lula reverteu aquela medida nefasta, recolocando a alíquota em 18% para países fora do Mercosul, evidenciando o caráter nocivo da decisão anterior, cuja desoneração foi feita de forma despreparada, favorecendo interesses externos em detrimento da produção nacional.
Base de Alcântara: soberania nacional subordinada – Outro episódio marcante do entreguismo bolsonarista foi a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) do Brasil com os Estados Unidos, autorizando o uso da Base de Alcântara para lançamentos comerciais de foguetes por empresas estadunidenses. A base de lançamento, localizada no Maranhão, é considerada uma das mais estratégicas do mundo por sua proximidade com a linha do Equador.
O acordo, aprovado pelo Congresso brasileiro, não exigiu contrapartidas significativas: não houve transferência de tecnologia nem investimentos diretos no Programa Espacial Brasileiro. Além disso, o tratado impôs restrições à presença de países sancionados pelos EUA, como a Rússia ou o Irã, por exemplo, limitando a soberania diplomática e científica do Brasil. Também afetou comunidades residentes na região, ameaçadas de remoções, num total descaso e desprezo pelo impacto social causado pela medida.
O cientista político e economista Bruno Lima Rocha denunciou esse acordo como parte de um projeto de submissão aos interesses estadunidenses. Para ele, a entrega de Alcântara sem garantias de soberania tecnológica representa mais um retrocesso estratégico causado pelo bolsofascismo, com total desprezo pelo conteúdo nacional.
Privatização da Eletrobrás: o fim do controle energético nacional – Por fim, uma aberração do entreguismo bolsofascista foi a privatização da Eletrobrás, maior empresa de energia elétrica da América Latina, na qual o governo brasileiro perdeu seu poder de voto, tornando-se um acionista minoritário em decisões estratégicas.
A medida foi ampla e duramente criticada por especialistas do setor elétrico, que alertaram para o risco de aumento de tarifas elétricas, perda de planejamento energético e entrega de ativos valiosíssimos ao mercado financeiro. A Eletrobrás detinha usinas, linhas de transmissão e conhecimento técnico acumulado ao longo de décadas.
Uma privatização feita sem o devido debate, sem consulta popular, sem plebiscito, sem nenhuma transparência e avaliação profunda e segura sobre os impactos de longo prazo. Tratou-se de uma entrega deliberada de um setor vital da soberania nacional à lógica do capital financeiro global.
Estes três episódios, brevemente relatados aqui, não são casos isolados. Fazem parte de um projeto político de submissão do Brasil aos interesses estadunidenses. A política externa de Bolsonaro, sob a batuta de Ernesto Araújo, foi marcada pelo alinhamento submisso aos Estados Unidos, rompendo com nossa tradição diplomática e desconsiderando todo o processo de busca de reconstrução do multilateralismo, cujo exemplo concreto materializa-se no BRICS, do qual o Brasil é fundador.
Ao adotar tal política entreguista, abrindo mão de tarifas, de bases estratégicas e de empresas públicas vitais, sem sequer exigir contrapartidas, Bolsonaro, com seus asseclas, agiu como um gestor dos interesses alheios — mais do que entreguista, como um verdadeiro traidor do povo brasileiro. E é disso que Donald Trump sente imensa falta.
Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)