“Não há como levar adiante essa dicotomia entre sociedade civil e o mundo militar”, aponta a jornalista Denise Assis.
Confira:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não esconde o seu vínculo de amizade para com o ministro José Múcio, o da Defesa. Por isto, em vários momentos em que Múcio esteve na marca do Pênalti, fez questão de propalar a relação antiga e boa que tem com o seu – ainda – ministro oriundo das fileiras da direita.
Acontece que a função requer muito mais que isso. Principalmente no Brasil, um país em que a República nasceu de um golpe militar (1889). Além de depor o monarca, incorporaram o poder moderador até então, prerrogativa do imperador, e passaram a tutelar a vida política do país, ameaçando os poderes civis sempre que há uma crise no horizonte. Já deu.
O cavalo da história não passa selado duas vezes. Nesse momento, em que a sociedade está perplexa diante dos últimos acontecimentos, orquestrados por estrelados generais, ou Lula pega agora as rédeas e reformula a estrutura da vida militar, ou vamos estar sempre sob as patas dessa estrutura que nos ameaça de tempos em tempos. Para fazê-lo, porém, precisa se livrar do ministro da Defesa, José Múcio, que não por acaso só surge em cena para marcar posição ao lado das fileiras. Um cargo de confiança, ou é de confiança ou não é de confiança. E os recados de José Múcio são sempre de lá para cá. Da caserna para o governo. Nunca do governo para a caserna.
Todos nós estamos lembrados das suas declarações pró acampamentos golpistas. Chegou a dizer que era contra a remoção, pois havia lá parentes seus e senhoras orando. Quem não se recorda da relutância com que executou a ordem de Lula, de demitir o general Júlio Arruda – aquele, que posicionou blindados contra a PM do DF, para garantir a fuga da mulher do general Villas Boas, D. Cida e sua filha, Tici, na noite de 8 de janeiro -, por ter promovido Mauro Cid? Precisou o presidente ordenar aos berros (o que não é do seu feitio), para ser obedecido.
Não foi só. José Múcio chegou ao ministério a bordo de 12 pontos “irremovíveis”, apresentados pelos Comandos. Era Lula pegar ou largar. E largar significava a convulsão nas fileiras. Que fique muito claro. A intervenção chegou a ponto de impedir que a Defesa fosse a única pasta que não pôde fazer parte dos levantamentos da transição. Não precisava. Bastava o presidente ainda nem mesmo empossado, dizer que sim, aceitava Múcio como o indicado deles, os militares.
Desde então, José Múcio tem sido o porta-voz dos comandos – Marinha, Aeronáutica e Exército -, defendendo junto ao governo – e não o contrário, como deveria ser -, um samba de uma nota só: “hei você aí, me dá um dinheiro aí!”.
E as suas declarações à mídia, costumam ser ambíguas, melífluas, mas descomprometidas com o governo a que serve. A mais grave, quando se colocou ou se confrontou com o assessor especial da presidência, Celso Amorim, querendo impor a compra de obuseiros israelenses, alegando que a recusa do Brasil a fazê-lo, quando as negociações já estavam em curso, tinham motivação ideológica. Nesse momento, deu bem a noção de sua alienação.
Para um “amigo”, como Lula o classifica, soou estranho que não tenha se importado de ver o presidente ser considerado “persona não grata” daquele país. Faltou-lhe desconfiômetro ou comprometimento, para entender que quando isto acontece, todos do governo devem cerrar fileiras em torno do líder e se sentir também personas não gratas. Faltou humanidade para perceber que não se pode transacionar com uma liderança que pratica morte em escala contra mulheres e crianças. Não lhe dizia respeito! Céus!
E, se tudo acima já não fosse suficiente – sem citar o episódio do 8 de janeiro, quando se colocou a favor da GLO, barrada por Janja, que percebeu que isso resultaria na entrega do poder aos militares -, agora, quando vem a público que houve um plano urdido por generais para matar o seu presidente (ou não é o seu presidente?) ele se coloca na esdrúxula posição de querer separar “CPFs” de “CNPJs”. Não há separação possível, quando a cesta de maçãs já está tão contaminada, que não há mais como salvá-la.
É preciso entender que a cultura da caserna está comprometida por um equívoco na redação do artigo 142, imposto na Constituinte; que a relação não pode continuar com naturalidade e fidalguia, quando o governo trabalha pelo social e por recompor o seu passado com a história, e nos bancos das escolas Militares a doutrina continua sendo a da guerra fria e de: era uma vez uma ameaça comunista contra a qual tivemos que nos revoltar… E em nome desse ideal, cometeram crimes inconfessos, até hoje.
Não há como levar adiante essa dicotomia entre sociedade civil e o mundo militar, onde homens despreparados continuam a ser formados à base de panfletos, sem se aprofundarem em leituras, a ponto de não podermos reproduzir sequer o que escrevem.
Ao ler no relatório da Polícia Federal os diálogos entre um general (Mário Fernandes), e o um ex-ministro, ao qual ele está dando ciência de a quantas anda a conspiração (ao general Ramos), fica-se em estado de total perplexidade. Não é possível nem sequer reproduzi-los em texto, porque a cada vírgula segue-se um palavrão. É po….., é ca…. em cada linha de textos que mal conseguem explicar o querem mesmo dizer.
E, é bom que se diga, um dos pontos das exigências levadas a Lula, por José Múcio, para ser entronizado no cargo, era manter intocado o currículo (?) escolar dos militares. Ou se arreda José Múcio do cargo para reformular tudo agora, ou seguiremos tropeçando em ca…s. e po….s até o próximo golpe.
Denise Assis é jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de “Propaganda e cinema a serviço do golpe – 1962/1964” , “Imaculada” e “Claudio Guerra: Matar e Queimar”