Com o título “Ao mestre, com carinho”, eis artigo de Demétrio Andrade, jornalista, que presta uma homenagem Pablo Vojvoda, agora ex-técnico do Fortaleza. “Voyvoda não é só o mais importante treinador do Fortaleza. É o mais importante treinador de futebol da história do futebol no nosso Estado e, nos últimos anos, o melhor do Nordeste e um dos melhores do Brasil. No Pici, merece placa, filme, estátua e hino. Para mim, é, a preço de hoje, também o maior ídolo do Tricolor em todos os tempos”, expõe o aticulista.
Confira:
Tomo emprestado o título de um filme que consagrou Sidney Poitier como um professor negro que consegue ganhar a atenção de uma turma de jovens quase deliquentes – para torná-los homens e mulheres compromissados em aprender dentro e fora de sala de aula – para falar da passagem de Juan Pablo Vojvoda no Fortaleza Esporte Clube. O professor que, de forma ímpar e nunca vista anteriormente- ensinou o Leão a rugir sempre mais alto.
A primeira coisa que devo dizer é que me sinto muito privilegiado por estar vivo para ver a melhor e maior era da história do Fortaleza até os dias atuais (claro que espero que haja outras ainda mais expressivas). E isso, claro, graças a vários fatores, como, inegavelmente, a competência da diretoria. Mas, sem dúvida, boa parte dessas conquistas precisam ser atribuídas à capacidade deste treinador de ascendência croata-italiana.
Sua longevidade vitoriosa à frente do clube deixa um vazio enorme. Depois de mais de 300 jogos, é como se perdêssemos a convivência de um amigo, um parente, uma pessoa da família. Isso também porque é alguém que transpira a plenitude da palavra “cidadão”: íntegro, correto, decente, educado, humilde, um líder nato que rapidamente identificou-se com as cores do time. Capaz de dormir na sede do clube. Capaz de pagar promessas em Canindé com a Toinha. Capaz de negar propostas de clubes de peso nacional porque acreditava num projeto.
O exemplo de Vojvoda vai muito além da vitória. Porque vitórias existem aos montes, muitas delas injustas ou carregadas de desconfiança. O Fortaleza de Vojvoda trazia para o torcedor um tipo único de triunfo. Lembro-me que, em 2022, mesmo quando estávamos na zona de rebaixamento, havia uma crença generalizada entre os tricolores que iríamos sair daquele incômodo. Porque, mesmo perdendo, o Fortaleza era um típico “time do Vojvoda”: intenso, brigador, alegre, desejoso de vencer a cada segundo. A vitória era questão de tempo e sorte, essa prima-irmã do futebol. E com garra e sangue nos olhos, saímos do inferno para a Libertadores, num dos inúmeros tabus quebrados pelo argentino abençoado por Nossa Senhora de Fátima, que tirava soluções criativas da cartola a cada partida. Mesmo errando, havia em cada coração leonino a convicção de que o que era feito tinha o sentido da obsessão pela glória.
Enfim, com Vojvoda, o Fortaleza era em campo a própria encarnação do seu hino: “combativo, aguerrido, vibrante e forte, sem demonstrar cansaço”. Eram êxitos merecidos, únicos, inquestionáveis, porque cheios de dedicação, de união, de sentimento de grupo. Desta forma, os títulos foram consequência de um trabalho árduo e da assimilação de um espírito determinado a buscar o resultado a qualquer preço. O time exalava confiança a cada gota de suor.
Em 2025, inexplicavelmente, a diretoria optou por abandonar uma estratégia que vinha dando certo: deixou de procurar e apostar em novos valores – Voyvoda foi o principal exemplo – para cair na ladainha tradicional do futebol brasileiro de buscar jogadores consagrados. Na precisa acepção de Machado de Assis, no Brasil os medalhões dão mais valor à aparência que à essência (as redes sociais que o digam). Medalhões não correm. Medalhões não ralam. Medalhões querem brilhar sozinhos. Medalhões, até pela idade, estão mais preocupados em como gastar o dinheiro que acumularam na carreira do que se matar em campo, principalmente quando a ordem é se sacrificar em nome dos demais companheiros de clube.
A palavra precisa e tranquila de Vojvoda não encanta medalhões. E sua elegância nunca lhe permitiu levantar o tom contra os sanguessugas, já que para ele sempre foi sagrado estabelecer uma relação de hombridade com o grupo. “Confio em meus jogadores” foi uma frase ouvida inúmeras vezes, nas vitórias e derrotas. O argentino sonhou poder tratar moleques como homens. Talvez tenha sido o seu maior e mais fatal erro.
Voyvoda não é só o mais importante treinador do Fortaleza. É o mais importante treinador de futebol da história do futebol no nosso Estado e, nos últimos anos, o melhor do Nordeste e um dos melhores do Brasil. No Pici, merece placa, filme, estátua e hino. Para mim, é, a preço de hoje, também o maior ídolo do Tricolor em todos os tempos.
Como falei no começo, sou grato por ter visto tudo isso. Guardo no coração e na mente histórias que vivi com meus filhos que vou contar pros meus netos. E eles o farão para as gerações seguintes. Vojvoda não é uma página no livro do Fortaleza. É um capítulo enorme, denso, profundo, que servirá de referência de passado, presente e futuro. Obrigado, professor!
*Demétrio Andrade
Jornalista e tricolor.
Ver comentários (1)
Simplesmente perfeito, caro Demétrio Andrade.
Cabe lembrar o que aconteceu no PSG com Mbappé e Luis Enrique descartou, ficando com um time de "operários", tipo Dude ou Hércules.
Lamentavelmente os que deixaram acontecer, errando passes de 3 a 4 metros, continuam e vão fazer o mesmo que outros fizeram no outrora FURACÃO, Athletico Paranaense, hoje uma leve BRISA.
Vamos cair e precisamos torcer para se manter na segundona.
Destaco:
Guardo no coração e na mente histórias que vivi com meus filhos que vou contar pros meus netos.
Somente com o vice da Copa do Brasil de 1968 eu tive experiência tão espetacular, mas apenas uns 3 jogos.