“As dores da ditadura e os tormentos da democracia” – Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor e escritor, além de ex-reitor da UFC.

“A recuperação das franquias democráticas não ocorre em situações como tais pelas vias normais dos procedimentos eleitorais”, aponta os cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto

Confira:

“Vivemos tempos sombrios quando as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança”, pensamento atribuído a Hanna Arendt

Tomando a trágica memória da história que as últimas gerações viveram tragicamente repetem-se, agora, as circunstâncias, as causas e as consequências que provocaram as duas grandes guerras mundiais.

O despertar de ideologias guerreiras de conquista, no início do século XIX, terá sido certamente o gatilho para sucessivas comoções sociais, políticas e militares na Europa e na Ásia.

O teatro europeu e os cenários do Pacífico foram o centro das maiores guerras já travadas na história da humanidade. Os próximos conflitos aliciarão novos contendores, vindos da periferia do mundo, da América Latina e da África, e o retorno ao primeiro plano dos conflitos das nações ancestrais das civilizações modernas — o Império do Meio, a China; a Índia e o Levante Próximo, o Médio e o Distante…

O que têm em comum com os nossos tempos, com as degraus primeiros das formas mais recuadas de Estado em organização? O que aproxima e distancia os reinados egípcios, a “polis” grega, a república romana, o absolutismo, as Cruzadas e este bem intangível a que chamamos de democracia? Quais riscos enfrentará a humanidade neste mal começado século XXI, rico em surpresas e rápidas mudanças, ideologias radicais e pelo desafio dos falsos sentimentos das ideias “libertadoras”?

As monarquias absolutas e o despotismo esclarecido acenaram timidamente com mostras de liberdade relativa, no final da Idade Média, no Renascimento e do desenvolvimento de sistemas republicanos de governo, a que chamamos por hábito “democracia”.

Às vésperas das duas guerras mundiais e de muitos dos maiores conflitos regionais, o advento de ditaduras duradouras, de golpes de Estado e de revoluções com apelo de novas armas, foram marcadas pela ampliação da penetração de movimentos sociais e de alianças na antecipação de um confronto em gestação secular.

No Brasil, como na América Latina e no Oriente Médio, sem esquecer os eventos urbanos recentes, desenrolados na Califórnia, com adesão da militância de agitadores nos “campi”universitários, é visível a mobilização provocada graças à persistência de apelos condicionados pelas pressões ideológicas em franco crescimento.

No Brasil, a agitação de lideranças estudantis encontrou receptividade na mídia, entre intelectuais e artistas, no meio sindical e na militância de grupos de esquerda. Não haveria porque as organizações de direita e do centro se abstivessem de uma participação direta neste confronto inevitável.

A crise institucional que se amplia a cada dia deixa visível a insegurança jurídica da frágil sustentação e defesa da ordem pública. A criminalidade assume proporções que apontam para os instrumentos da ação policial e das leis só comparáveis à corrupção na esfera do governo e dos agentes a serviço do Estado.

Situações semelhantes fluíram, no passado, provocadas por circunstâncias parecidas. Governos de índole autoritária, na Itália e na Alemanha, como podemos lembrar, resultaram da quebra do equilíbrio institucional com a implantação de governos fortes e a ruptura das estruturas democráticas.

As ditaduras se implantam e se impõem no rastro de quebras institucionais, sob a pressão de movimentos populares ou em decorrência de intervenção, menos frequente agora, do aparelho militar.

A recuperação das franquias democráticas não ocorre em situações como tais pelas vias normais dos procedimentos eleitorais.

Os sistemas políticos não se recompõem das intervenções de força com facilidade.

A ruptura da normalidade institucional não pode ser consertada senão com a recomposição do equilíbrio e da estabilidade políticas dos sistema político.

O “alter day” das ditaduras não chega pela transformação mágica de uma realidade feita de autoritarismo e arbítrio, como se dá em conversões instantâneas nos atos de fé. Nações que conviveram com formas de exceção prolongada tendem a acomodar-se a governos “fechados”, “fortes” e a continuarem a servir-se dos remédios prescritos pela autoridade autoconstituída.

Na América Latina e no Brasil, por mimetismo ideológico, as ditaduras, exauridas de apoio e da simpatia populares, encarnaram em muitos casos, na legislação e em uma concepção particular de “segurança nacional”, modelo explorado com sucesso no interminável processo de recomposição “democrática”.

Hoje, são as “fake news” e as redes sociais que se transformaram no perigo maior a que os remanescentes das ditaduras vividas no passado e os vigilantes de uma ordem legal indefinida combatem e denunciam.

As leis e as instituições nascidas na vigência do Estado Novo e nos governos militares, bem a propósito, sobreviveram protegidas pelo aparato constitucional “progressista” que se seguiu, em 1945 e em 1988.

Em 36 anos de governos de exceção [1930/45 e 1964/85], movidos a “atos institucionais” bem aviados, consolidamos uma “cultura política do arbítrio”, de inspiração totalitária, que invadiu e apoderou-se da consciência política da nação brasileira e modelou as suas instituições e uma forma de “constitucionalismo” pós-moderno de grande aceitação.

Não admira que as autoridades jurisdicionais se julguem parte dessa contenda e reclamem
o direito e o dever de intervir e atuar politicamente em conflitos para os quais se servem das suas armas de dissuasão — a sua infinita capacidade de interpretar as intenções do Executivo e corrigir “sponte sua” as omissões do legislador…

Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC

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