Com o título “Blindagem de Veículos e o Avanço da Violência no Ceará”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel da reserva da PMCE e mestre em Planejamento de Políticas Públicas. “No Ceará, essa realidade ganha contornos ainda mais dramáticos. Segundo dados da Associação Brasileira de Blindagem (Abrablin), o estado ocupa hoje o terceiro lugar no ranking nacional de veículos blindados, com 934 unidades, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro”, expõe o articulista.
Confira:
A blindagem de veículos surgiu como estratégia militar durante a Primeira Guerra Mundial, quando placas de aço passaram a ser utilizadas para proteger tropas e comandantes no front. Com o fim dos conflitos mundiais, chefes de Estado adotaram carros blindados como forma de proteção contra atentados. Nas décadas de 1950 e 1960, fabricantes como Mercedes-Benz e Cadillac
lançaram modelos exclusivos destinados a presidentes e milionários.
A partir dos anos 1970 e 1980, com o aumento do terrorismo internacional e a expansão do narcotráfico, especialmente na América Latina, a blindagem passou a ser adotada também por empresários e políticos civis. Países como Colômbia e México se tornaram pioneiros nesse mercado, impulsionados pela escalada dos sequestros promovidos por cartéis criminosos. Surgiram, então, as primeiras empresas privadas especializadas em blindagem.
No Brasil, os primeiros veículos blindados civis apareceram nos anos 1990, impulsionados pela violência urbana em crescimento. O primeiro caso oficialmente registrado ocorreu em São Paulo, em 1995. Desde então, o país se consolidou como o maior mercado mundial de blindagem civil, superando nações desenvolvidas — um reflexo direto da insegurança que domina as cidades brasileiras. A regulamentação ficou sob a responsabilidade do Exército, que autoriza e fiscaliza a atividade.
No Ceará, essa realidade ganha contornos ainda mais dramáticos. Segundo dados da Associação Brasileira de Blindagem (Abrablin), o estado ocupa hoje o terceiro lugar no ranking nacional de veículos blindados, com 934 unidades, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. Somente no primeiro semestre de 2025, 641 pessoas blindaram seus veículos. Esse crescimento expressivo
revela um sentimento de medo generalizado. A blindagem, que antes era símbolo de ostentação, transformou-se em necessidade básica de autoproteção para a elite cearense, diante de um ambiente de violência epidêmica.
Recentemente, diante da incapacidade de conter a criminalidade, o governo estadual tomou uma decisão que, embora necessária, é emblemática: adquiriu veículos blindados para uso das polícias. Trata-se de uma medida que pode proteger vidas, mas que, ao mesmo tempo, significa o reconhecimento oficial de que o Ceará vive um estado de guerra não declarado. A estimativa de mais de 45 mil homicídios nos últimos 20 anos comprova que o problema não é episódico — é estrutural, profundo e crônico.
Blindar viaturas e veículos civis é como erguer trincheiras em plena cidade. Pode até salvar vidas, mas expõe de forma cruel o fracasso das políticas públicas de segurança. Estamos diante de um quadro em que a lógica militar da Primeira Guerra Mundial se transfere para as ruas de Fortaleza e do interior do estado. A expansão desse mercado, tanto no setor privado quanto no público, é prova inequívoca de que o medo venceu a confiança no Estado.
*Plauto de Lima
Coronel RR da PMCE e Mestre em Políticas Públicas.