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“Brasil e Estados Unidos: Uma História de Tensões” – Por Vanilo de Carvalho

Vanilo de Casvlaho, advogado e mestre em Negócios Internacionais. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “Brasil e Estados Unidos: Uma História de Tensões”, eis artigo de Vanilo de Carvalho, mestre em Negócios Internacionais. Ele expõe didaticamente as relações entre o nosso País e os EUA, com seus altos e baixos.

Confira:

As relações entre o Brasil e os Estados Unidos da América têm raízes profundas que remontam ao século XIX, estabelecendo-se oficialmente com o reconhecimento da independência brasileira em 1824. Ao longo dos últimos dois séculos, essa relação oscilou entre a cooperação estratégica, a dependência econômica e a tensão política. Entre avanços, imposições e choques de interesses, construiu-se um histórico complexo que reflete tanto a dinâmica internacional quanto as opções políticas internas de cada país.

Reconhecimento da Independência e Primeiros Laços Diplomáticos

O reconhecimento da independência do Brasil pelos Estados Unidos, em 1824, foi um marco simbólico e geopolítico de peso. Os EUA foram a primeira nação a reconhecer oficialmente o novo Estado brasileiro, apenas dois anos após a proclamação da independência. Esse gesto, embora motivado por interesses estratégicos e comerciais, foi interpretado como um apoio à consolidação da autonomia brasileira em um cenário internacional ainda dominado por monarquias europeias.

A Doutrina Monroe, proclamada em 1823, já apontava para o desejo norte-americano de conter a influência europeia nas Américas e fortalecer as relações com os novos países independentes do continente. O Império do Brasil, por sua vez, buscava reconhecimento e estabilidade, consolidando-se sob o reinado de D. Pedro I e, mais tarde, D. Pedro II. Nesse período, os laços comerciais com os Estados Unidos se intensificaram, com destaque para o intercâmbio de produtos como o café, o tabaco, o açúcar e o algodão.

República Velha e Expansão dos Interesses Econômicos Norte-Americanos

Durante a República Velha (1889–1930), os Estados Unidos fortaleceram sua posição como parceiro econômico relevante do Brasil. A transição da monarquia para a república, inspirada em parte pelo modelo norte-americano, coincidiu com o crescimento dos investimentos dos EUA no Brasil, especialmente nos setores de infraestrutura, mineração, transportes e comunicações.

Nesse período, os EUA passaram a rivalizar com o Reino Unido na influência econômica e política sobre o Brasil. O café, principal produto de exportação brasileiro, ganhou destaque no mercado norte-americano, e os fluxos de capitais privados e tecnológicos dos EUA para o Brasil começaram a consolidar um padrão de dependência econômica.

Era Vargas, Geopolítica e a Política da Boa Vizinhança

A ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930 inaugurou um novo capítulo nas relações bilaterais. Com o cenário mundial se polarizando entre fascismo, comunismo e liberalismo, os Estados Unidos lançaram a chamada “Política da Boa Vizinhança”, sob a liderança de Franklin D. Roosevelt. Essa doutrina buscava estreitar os laços culturais, políticos e econômicos com os países latino-americanos, numa tentativa de conter a expansão das ideologias totalitárias.

O governo Vargas utilizou com habilidade a rivalidade entre os EUA e as potências do Eixo para negociar investimentos e apoio. O principal exemplo foi a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, com financiamento e apoio tecnológico norte-americano, como parte do acordo que garantiria a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados.

Segunda Guerra Mundial e Alinhamento Estratégico

A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com o envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) à Itália, fortaleceu de forma significativa os laços com os Estados Unidos. Durante o conflito, bases militares foram instaladas no Nordeste brasileiro, e os dois países passaram a cooperar em diversas frentes, da economia à logística militar.

O apoio norte-americano ao Brasil nesse período consolidou uma aliança estratégica, que se estendeu para o pós-guerra, embora marcada por assimetrias evidentes. O Brasil, à época, buscava se industrializar e modernizar sua infraestrutura, enquanto os EUA, vencedores da guerra e emergentes como superpotência global, intensificavam sua influência sobre toda a América Latina.

Guerra Fria e Intervenção na Política Interna Brasileira

Com a Guerra Fria, os Estados Unidos intensificaram sua política de contenção ao comunismo no continente. A América Latina foi considerada zona de influência prioritária, e o Brasil tornou-se peça-chave nesse tabuleiro. O governo de João Goulart (1961–1964), com seu programa de reformas de base e aproximação com setores populares e socialistas, despertou a preocupação da Casa Branca.

O golpe militar de 1964, que depôs Goulart, contou com o apoio logístico e político dos Estados Unidos. A chamada “Operação Brother Sam”, envolvendo uma força-tarefa naval
norte-americana estacionada nas proximidades da costa brasileira, é uma das evidências mais explícitas da intervenção dos EUA em assuntos internos do país, em nome da estabilidade política regional e da contenção do comunismo.

Ditadura Militar e Relações Estratégicas Assimétricas

Durante o regime militar (1964–1985), os laços com os EUA se intensificaram ainda mais, especialmente nos campos econômico, militar e tecnológico. O modelo de desenvolvimento adotado pelos governos militares favorecia o capital estrangeiro, e empresas norte-americanas expandiram significativamente sua presença no Brasil.

No entanto, divergências começaram a emergir a partir da década de 1970, especialmente durante o governo do general Ernesto Geisel. O Brasil buscou maior autonomia internacional, firmando acordos nucleares com a Alemanha Ocidental e adotando uma política externa que valorizava o chamado “pragmatismo responsável”. Apesar disso, os Estados Unidos continuaram exercendo forte influência sobre decisões estratégicas no Brasil, em especial no combate aos movimentos sociais e nas orientações econômicas.

Redemocratização, Diversificação e Cooperação Contida

Com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, as relações entre Brasil e EUA passaram por uma reconfiguração. O Brasil começou a diversificar seus parceiros comerciais e políticos, reforçando laços com Europa, China, América do Sul e países africanos. Ao mesmo tempo, manteve relações contínuas com os EUA, com cooperação em áreas como combate ao narcotráfico, proteção ambiental, educação e comércio.

Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, as relações foram marcadas por pragmatismo e, por vezes, atritos. Em 2013, as revelações feitas por Edward Snowden sobre o monitoramento da presidente Dilma Rousseff pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) geraram uma crise diplomática que levou ao cancelamento de uma visita de Estado à Casa Branca.

Donald Trump, o Tarifaço de 50% e a Crise Diplomática Recente

A eleição de Donald Trump em 2016 trouxe uma guinada significativa nas relações entre os dois países. Com um discurso nacionalista, protecionista e unilateralista, Trump passou a adotar medidas comerciais duras contra parceiros históricos, inclusive o Brasil.

Em 2019, o governo dos Estados Unidos impôs pesadas tarifas sobre a importação de aço e alumínio brasileiros. Mais recentemente, culminando em um novo agravamento das tensões, foi anunciada uma tarifa de 50% sobre diversos produtos exportados do Brasil  para os EUA. A medida, justificada como proteção à indústria norte-americana, atingiu em cheio setores estratégicos da economia brasileira, como o agronegócio, a siderurgia e o setor de manufaturados.

Desde ontem, instaurou-se uma nova e grave crise. Declarações do governo norte- americano, vistas como ingerência direta na condução da política econômica brasileira, somadas ao impacto imediato das novas tarifas sobre o mercado de exportações, geraram forte reação no Itamaraty e no setor produtivo nacional. A tensão elevou-se ainda mais diante das implicações para o comércio bilateral e para a estabilidade política regional.

Esse episódio demonstra como, mesmo diante de aparentes alinhamentos ideológicos em governos anteriores, os interesses econômicos dos Estados Unidos prevalecem sobre eventuais afinidades políticas. O Brasil, por sua vez, se vê forçado a articular respostas diplomáticas e econômicas que preservem sua soberania e a integridade de suas cadeias produtivas.

A história das relações entre Brasil e Estados Unidos é marcada por aproximações estratégicas, cooperação mútua, mas também por desequilíbrios e episódios de intervenção e conflito. Desde 1824, passando pelo apoio à industrialização no governo Vargas, o envolvimento no golpe de 1964 e os embates comerciais recentes, a trajetória bilateral reflete as tensões inerentes a uma relação entre potências em posições assimétricas.

O atual cenário de crise, deflagrado pelo tarifaço norte-americano e pelas recentes declarações que afetaram a soberania nacional, representa mais um capítulo dessa longa história. O futuro das relações dependerá da capacidade de ambos os países de superar impasses com diálogo firme, respeito mútuo e uma diplomacia que valorize os interesses legítimos de cada nação.

*Vanilo de Carvalho

Mestre em Negócios Internacionais.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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