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“Caridade eleitoreira”

Djalma Pinto é advogado e especialista em Direito Eleitoral. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “Caridade eleitoreira”, eis artigo de Djalma Pinto, advogado e autor de diversos livros, entre os quais “Distorções do Poder” e “Ética na Política”. “Tal como ocorre no esporte, que exige respeito de todos às regras previamente estabelecidas, a permanente observância das normas eleitorais é essencial para a transparência e normalidade da disputa pelo poder político, expõe o articulista.

Confira:

É impossível imaginar o futebol sem observância das regras por todos os seus praticantes. Validar, por exemplo, um gol feito com a mão é causa de indignação que pode resultar em invasão do gramado. As disputadas pelo poder político também têm as suas normas, que precisam ser rigorosamente observadas.

O processo para escolha dos representantes do povo exige a atuação com boa-fé de todos que dele participam (CPC, art. 5º). Quem se arrisca a violar as regras, previamente estabelecidas, sabe, de antemão, que deve suportar a sanção estipulada para os infratores. A certeza da punição, aplicada por julgadores imparciais e justos, desestimula a ofensa às normas eleitorais.

Entre os dispositivos legais, destinados à garantia da igualdade dos postulantes na competição para a conquista do mandato, destaca-se este contido no parágrafo 10, do art. 73, da Lei nº 9504/97: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.”

Qual o principal objetivo dessa norma? A resposta é simples: impedir a caridade eleitoreira. Ou, na linguagem explicativa do próprio Tribunal Superior Eleitoral: “a finalidade deste dispositivo é salvaguardar a lisura do pleito e a paridade de armas de programas assistenciais de cunho oportunista, por meio dos quais se manipulam a miséria humana e a negligência do Estado.” (Ac.-TSE, de 19.6.2018, no REspe nº 4535).

A irregularidade fica configurada pela distribuição de bens ou valores pela Administração Pública fora dos casos de calamidade pública, estado de emergência ou de programas sociais, com execução já realizada em ano anterior ao do pleito.

Então, a União, o Estado e o Município não podem fazer doação de bens ou dinheiro aos cidadãos em ano eleitoral? Como regra geral não. Poderão fazê-lo apenas quando os benefícios concedidos se enquadrem em uma destas três hipóteses: a) situação de calamidade pública; b) estado de emergência, ou c) como continuidade de programas sociais autorizados por lei e em execução já no exercício anterior.

Sem comprovação da existência, no exercício anterior, o programa social instituído no ano da eleição, é ilícito. Nesse sentido, já advertiu o TSE: “não se subsume à ressalva deste parágrafo a distribuição gratuita de lentes/óculos em ano eleitoral, porquanto tal medida requer comprovação de existência de programa social autorizado por lei e em execução orçamentária no exercício anterior.” (Ac.-TSE, de 7.4.2022, no AgR-REspEl nº 134).
Quais as consequências para o gestor e para o candidato favorecido com a prática dessa conduta vedada? A resposta é dada pelo próprio legislador, nos parágrafos 4º e 5º, do art. 73, da Lei nº 9504/97: 1) suspensão imediata da conduta, tipificada como irregular, com multa para os responsáveis de cinco a cem mil Ufirs; 2), cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado, agente público ou não.

O TSE também já esclareceu que, no caso de repasse ilegal de verba ou bem, em ano de eleição, “a responsabilização pela prática das condutas descritas neste parágrafo prescinde da condição de candidato, bastando que o autor do ato seja agente público.” (Ac.-TSE, de 24.2.2022, no AgR-AREspE nº 060010481 e, de 12.11.2019, no AgR-AI nº 5747).

Tal como ocorre no esporte, que exige respeito de todos às regras previamente estabelecidas, a permanente observância das normas eleitorais é essencial para a transparência e normalidade da disputa pelo poder político. O seu integral cumprimento atesta o elevado nível de civilidade dos envolvidos no certame. Sua violação, em contrapartida, exige a aplicação da respectiva sanção, Serve esta, inclusive, como instrumento pedagógico para a garantia da lisura e preservação da igualdade dos concorrentes nas eleições. Candidato, que viola a legislação para eleger-se, é equiparado ao atleta que faz gol com a mão e corre para comemorar. Não merece medalha, nem deve subir no pódio!

*Djalma Pinto,

Advogado e autor de diversos livros, entre os quais “Distorções do Poder” e “Ética na Política”.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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  • Djalma Pinto não é apenas um advogado e autor de vários livros. É Procurador da Fazenda Nacional, aposentado, e ex-Procurador-Geral do Estado do Ceará, além de um grande ser humano. Seu propósito maior de vida sempre foi a seriedade no meneio da coisa pública. Nesse artigo ele deixa a marca de sua eterna preocupação com a impunidade do político que viola a legislação eleitoral com o único objetivo de eleger-se. Parabéns ao intemerato advogado Djalma Pinto. Parabéns ao inteligente e sério jornalista Eliomar de Lima, por albergar tão útil e importante artigo em seu Blog.

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