Com o título “Carioquês de Iracema”, eis mais um conto da lavra de Totonho Laprovitera.
Confira:
Lembro de uma amiga que foi passar férias no Rio de Janeiro e voltou falando chiado, como se cada sílaba tivesse tomado banho de mar em Copacabana.
Mas tinha outra que nem precisou ir lá: foi bater à Banca do Bodinho, na Praça do Ferreira, comprou jornal do Rio e, num passe de mágica, já falava com aquele sotaque carioca, sem jamais ter sentido a brisa da praia ou subido o Pão de Açúcar.
O sotaque carioca é assim: chiado, arrastado, melódico – contagia sem avisar, samba na fala de quem escuta, e às vezes nem se percebe que mudou.
Falando nisso, não faz muito tempo, em um bar da Praia de Iracema, na night, um amigo questionou o outro:
−E aí, macho véi?
−Olha só… beleza?
−Tudo pai d’égua!
−Só, sangue bom… maneiro…
−Macho, eu te conheço desde menino…
−Irado, ó? E daí?
−E daí é que você nunca saiu daqui, da Praia de Iracema. Nasceu aqui, morou aqui, sempre viveu aqui…
−Coé, mermão, pirou? Tá maluco?
−Maluco, eu?
−Aê, fala sério…
−Tô falando, mah…
−Pô, sinistro! Que parada é essa, vai marcar bobeira?!
−Arre égua, é que eu não consigo entender esse teu jeito…
−Aê, moleque, caraca, se liga, pega a visão…
−Respeite, que chiado escraite!
−Aê, mané, tu tá boladão pra dedéu, mermão…
−Diabeísso, pra que esse sotaque carioca tão fuleiro?!
−Ora, bolas, é o estilo maneiro de me expressar…
−Aí dento!
−Aê, dá não, ó? Vou vazar… deu ruim – finalizou o inquirido, com todo o vigor do seu carioquês!
Pois é, sotaque é bicho traiçoeiro. Ele chega silencioso, escorrega na fala da gente, e, antes que perceba, a boca inteira mudou de endereço.
Quanto a mim, bem, eu prefiro mesmo meu sotaque cantado cearense. Ele me leva com minhas raízes a mundos desejados. Nenhum entonação emprestada substitui o ritmo da minha terra, que fala com o coração junto com a memória.
*Totonho Laprovítera
Arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.