“O golpe continua em movimento”, aponta o cientista político Alexandre Aragão de Albuquerque
Confira:
O golpe continua em movimento.
Como atesta o sábio e saudoso professor Wanderley Guilherme dos Santos, golpes de estado nem sempre se configuram pelo seu caráter militar, podendo assumir diversas formas, dependendo das circunstâncias concretas para sua consumação. Golpes nunca são golpes ideais, mas são sempre golpes possíveis. É o que aconteceu no caso brasileiro em 2016, com a deposição do governo Dilma Rousseff. (SANTOS, Wanderley Guilherme dos. A Democracia Impedida: O Brasil No Século XXI. Editora FGV, 2017).
Segundo o autor, o golpe de 2016 foi pior que o de 1964, por ter um compromisso antinacional e reacionário muito mais violento que o dos militares da época.
O consórcio golpista intensificou uma campanha generalizada para desmoralizar os políticos de esquerda e seus partidos, particularmente de forma avassaladora contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas lideranças, com o objetivo de criminalizar as formas de organização política pelas quais a democracia é exercida.
Não somente orquestraram a criminalização da política, como também atacaram organizações empresariais brasileiras – públicas e privadas – com o intuito de fragilizá-las e assim poderem abrir espaço à invasão do capital privado na aquisição de importantes e estratégicas riquezas nacionais, escopo próprio da agenda neoliberal que os guia.
A Operação Lava Jato, chefiada por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, braço jurídico do consórcio golpista, teve impactos econômicos profundos em grandes empresas, como a Petrobrás e Odebrecht, por exemplo. A empreiteira, uma das campeãs mundiais brasileiras, perdeu cerca de 85% de sua receita devido à ação nefasta da Lava Jato. No caso da Petrobrás, foi fortemente afetada pela redução de investimentos na empresa, retardando fortemente sua recuperação econômica.
Além disso, a Lava Jato, entre as muitas mazelas produzidas, foi responsável pela destruição de 4,5 milhões de empregos entre 2015 e 2017, tanto nos setores diretamente afetados, como construção civil e indústria naval, quanto em setores indiretos. Estima-se que entre 2015 a 2019, a Lava Jato tenha contribuído fortemente para a redução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em mais de três pontos percentuais, devido à diminuição de investimentos públicos e privados. (Impactos econômicos da Lava Jato e a Petrobras – Ineep | Artigos). Somado ao dano econômico, o dano político causado pelo “condottiere” Sérgio Moro foi contribuir para o aprofundamento do golpe com a chegada da extrema-direita ao Poder Executivo, representada na pessoa de Jair Bolsonaro, do qual tornou-se seu Ministro da Justiça, numa clara confissão material do acordo celebrado entre eles.
Em junho de 2022, seguindo o roteiro entreguista, o governo Bolsonaro cometeu o crime de lesa-pátria ao privatizar a Eletrobrás pela migalha de R$33,7 bilhões, abrindo mão do controle acionário da União na companhia.
A Eletrobrás é a maior empresa de energia elétrica da América Latina, responsável por 28% do parque de geração do Brasil e dona de 73,6 mil quilômetros de linhas de transmissão, o equivalente a 40% do sistema brasileiro. O Tribunal de Contas da União (TCU) avalia que o valor correto da venda seria, no mínimo, em torno de R$140 bilhões. (https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2023/05/20/a-criminosa-venda-da-eletrobras/).
O JULGAMENTO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A CONTRAOFENSIVA GOLPISTA
O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou na sexta-feira, 11, o documento (Acórdão) com cerca de 500 páginas que formaliza a decisão de tornar réus os sete integrantes da organização criminosa denunciada pelo Ministério Público, comandada por Jair Bolsonaro, em decisão unânime de 5 votos.
Os elementos vão responder pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Numa ação planejada e organizada, transcorrida de junho de 2021 a oito de janeiro de 2023.
Contudo, o consórcio golpista, envolvendo parlamentares, prefeitos e governadores, continua articulado e avançando, desta vez com um projeto de lei (PL) que propõe anistia a todos os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. A lista com 257 assinaturas coletadas, segundo a vociferação de líderes partidários, escancara abertamente que, diante da violência a que fomos submetidos durante o governo Bolsonaro, amplos setores da direita não têm lealdade à democracia brasileira. (https://www.brasildefato.com.br/2025/04/11/avanco-de-pl-da-anistia-revela-normalizacao-da-extrema-direita-alerta-cientista-politico/).
O projeto de lei 2858, e o substitutivo apresentado pelo relator deputado bolsonarista Rodrigo Valadares (UNIÃO BRASIL – SE), pretende anistiar todos que participaram de atos e ações correlatas ao que ocorreu em 8 de janeiro de 2023, a partir do mês de outubro de 2022, logo após as eleições. É um projeto para livrar Jair Bolsonaro e seus comparsas da condenação judicial. Recorde-se que uma das ações previstas pela organização criminosa liderada por Bolsonaro planejava assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e ministro do STF Alexandre de Moraes.
O PL da Anistia estabelece que estão anistiados todos os manifestantes e financiadores envolvidos nos protestos em estradas e unidades militares do dia 30 de outubro de 2022 em diante até a data de entrada em vigor dessa lei.
O relatório do deputado Valadares estabelece ainda que ficam elegíveis os anistiados e suspensas as multas a eles aplicadas. Além de mudar a prerrogativa de foro de quem deixa de ocupar cargo público, mesmo no caso dos atos executados no exercício da função.
É uma insanidade porque legaliza o golpe de Estado. É um mau-caratismo porque criminaliza a Justiça. É uma cafajestagem porque abre espaços para futuros atentados contra a Democracia. É a continuidade do golpe pelas mesmas cartas marcadas de ontem. Não se trata de um PL da Anistia, mas de um PL da legalização do golpismo. A Democracia não pode admitir tal aberração.
Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)