Com o titulo “Carta para Lílian”, eis artigo de Suzete Nocrato, jornalista e mestraem Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará. Ela relata a experiência de ser avó.
Confira:
Você chegou como quem não pede licença e foi logo invadindo o silêncio da casa. Sem cerimônia, abriu a porta do coração da família, trazendo consigo um choro forte que anunciava ser, a partir daquele instante, a protagonista de vidas carregadas de amor, medos, alegrias, incertezas, verdades e de intenso caminhar. Semelhante a um raio de luz, enche o nosso pequeno universo de calor e ternura.
Menina de bochechas cheias e olhos amendoados, me leva de volta a criança que um dia fui desafiando os medos e descobrindo, a cada dia, um novo universo: sua mãozinha se fechando em concha sobre o meu dedo, seu olhar penetrante sobre o meu. Que alegria vê-la descobrindo o pezinho que leva à boca, mastigar os dedinhos e se comunicar com gritinhos como que anunciando o seu humor, a hora de mamar ou de dormir.
Com você, relembro as noites em Saboeiro, embaladas pelas cantigas de ninar cantaroladas por minha mãe e que agora as reproduzo para fazê-la adormecer em meus braços, numa lembrança de que a vida é um eterno recomeço. Enxergo na filha de meu filho a eternidade de meus pais, avós, bisavós e todas as gerações que nos precederam.
Semelhante a um raio de luz, você enche o nosso pequeno universo de calor e ternura, mas também de desafios, como encontrar a maneira correta de acalmá-la quando se irrita na cadeirinha do carro ou quando está com sono e se recusa a ficar no berço. Talvez para confirmar o provérbio de que avó deseduca, acolho-a em meu colo e saio pela sala a dançar e cantarolar, enquanto seus pais insistem em desenvolver a sua confiança e autonomia.
De forma torta, quero ser seu porto seguro, minha menininha, que enche o meu ser de felicidade. Dias desses, você gargalhou pela primeira vez. Foi um encantamento. Brincávamos, quando arrisquei uma careta, acompanhada por um som agudo e desajeitado. E, de repente, a casa se abriu no clarão de sua risada. Ali nasceu uma cumplicidade, daquelas que não se perdem nunca, e que nos acompanhará por toda a
existência.
Lílian, você veio nos lembrar do sentido da vida, esse fio invisível que conduz o amor em espirais que nunca se rompem. Semelhante à semente que floresce no jardim florido, veio colorir e perfumar não só a minha existência, mas de seus outros avós, de seus tios e da bisavó Lúcia. Assistimos, todos, ao espetáculo da continuidade, com o coração feito de lembranças e esperanças.
É uma alegria ver seus pais vivendo o amor em sua forma mais pura – aquela que não exige, apenas transborda. Um amor que não cabe em palavras, apenas se sente; que desperta antes do sol, que se reconhece no seu choro e no seu sorriso. Aprenderam a ser fortes na exaustão. É a força desse amor que ilumina seus caminhos. Encerro essa carta reafirmando meu amor e meu encantamento por você. De uma avó surpreendentemente renovada e feliz.
*Suzete Nocrato
Jornalista e mestra em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará.
Ver comentários (2)
Isso, merece é um livro! Pense na ideia...
Parabéns e obrigado por um texto belíssimo.
Também senti a mesma experiência com meus netos.