Com o título “Caucaia e Itália: um contraste alarmante nos índices de violência letal”, eis artigo de Walter Pinto Filho, promotor de justiça do Estado do Ceará. Ele faz um comparativo entre índices de violência de Caucaia, cidade da Região Metropolitana de Fortaleza, e a República Italiana.
Confira:
Em um cenário global onde a segurança pública é objeto de constante análise e aprimoramento, a disparidade nos índices de violência letal entre diferentes regiões evidencia desafios profundos e urgentes. Um exemplo emblemático dessa desigualdade pode ser observado entre o município brasileiro de Caucaia (RMF), no Estado do Ceará, e a República Italiana.
No ano de 2020, Caucaia registrou 360 mortes violentas intencionais, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS). Com uma população estimada em aproximadamente 370 mil habitantes, a taxa de homicídios nesse município alcançou cerca de 97 por cada grupo de 100 mil habitantes — um dos índices mais elevados do país. No mesmo período, a Itália, com uma população de cerca de 59 milhões de habitantes, contabilizou 322 homicídios em todo o seu território, conforme dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística Italiano (ISTAT). Isso corresponde a uma taxa de 0,54 assassinatos por 100 mil habitantes.
A análise comparativa revela uma realidade perturbadora: um único município brasileiro apresentou mais homicídios do que toda uma nação europeia, cuja população é cerca de 160 vezes maior. A taxa de homicídios de Caucaia é, portanto, quase 180 vezes superior à italiana. Em fevereiro de 2024, quatro mulheres foram assassinadas no bairro Urucutuba, evidenciando o domínio de facções criminosas no município. Somente para registro, Paris notificou, em 2020, 50 mortes violentas. Na cidade autônoma de Buenos Aires, no mesmo período, foram 79 assassinatos.
Essa diferença não se explica apenas por fatores demográficos, mas expõe profundas disparidades estruturais: ausência ou ineficiência de políticas públicas, fragilidade das instituições de segurança, crescimento de organizações criminosas, desigualdade social extrema e carência de investimentos sustentáveis em educação, saúde, urbanização e cultura de paz.
O elevado índice de letalidade violenta em Caucaia — e em tantas outras cidades brasileiras — não pode ser naturalizado nem tratado como um fenômeno isolado. Trata-se de uma expressão crua da falência parcial do poder público na garantia do mais fundamental dos direitos: o direito à vida.
Esse contraste revela não apenas o abismo entre a segurança pública nos dois territórios, mas também, o quanto o Brasil ainda carrega traços de desigualdade, ausência do Estado em áreas periféricas, falta de oportunidades e domínio de facções criminosas. Enquanto na Itália os homicídios são casos raros e isolados, muitas vezes com motivação doméstica ou mafiosa, em Caucaia (e em muitos outros municípios brasileiros) a violência é cotidiana, sistêmica e frequentemente ligada a disputas de território e tráfico de drogas.
É imperativo, portanto, que o Ministério Público, em conjunto com os demais órgãos do Sistema de Justiça e Segurança Pública, atue de maneira estratégica, articulada e preventiva, buscando a
responsabilização dos autores dos crimes, mas também propondo soluções estruturantes. O enfrentamento à violência urbana exige investimentos em inteligência, fortalecimento das polícias, políticas públicas inclusivas e, sobretudo, um compromisso interinstitucional com a dignidade da pessoa humana.
A checagem entre Caucaia e a Itália não é apenas uma estatística impressionante — é um grito de socorro. Não podemos permitir que cidades brasileiras continuem figurando entre as mais violentas do mundo, nem aceitar como normal que vidas sejam ceifadas em meio ao medo, à impunidade e à desesperança.
Caucaia não deveria superar a Itália — não nesse ranking macabro. Transformar essa realidade não é apenas uma tarefa de governo. É uma exigência moral, jurídica e histórica. Um país que tolera a banalização da morte jamais conhecerá a plenitude da liberdade.
*Walter Pinto Filho
Promotor de Justiça do Estado do Ceará.