Com o título “Cesto Sentido”, eis mais um texto da lavra de Totonho Laprovitera, arquiteto urbanista, escritor e artista plástico. Desta vez, ele aborda o tema saneamento básico.
Confira:
Acreditem, não é implicância minha, não. Mas rebolar papel higiênico no cesto do banheiro é uma prática brasileira que causa estranheza em quem chega de fora – e até em alguns daqui mesmo.
Mas, antes de entupir o nariz, é importante compreender o motivo.
Boa parte das cidades brasileiras não tem esgoto preparado para esse tipo de descarte. Os canos são velhos, estreitos ou malcuidados. E o papel, que era para ajudar, muitas vezes atrapalha: demora a dissolver, entope fácil e vira dor de cabeça na descarga. Por isso, o cesto – velho e humilde companheiro de banheiro – virou recurso prático.
Um desvio técnico, sim, mas também uma solução diante da situação precária. Ele não está ali por teimosia cultural, mas por precisão. Afinal, ninguém gosta de lidar com retorno de excrementos.
Muitos avaliam o hábito nojento, terceiro-mundista. No entanto, o verdadeiro problema não está no uso do cesto, mas sim na falta de saneamento básico e na ausência de uma infraestrutura que forneça esgoto tratado e condições dignas para todos os brasileiros.
Nesse contexto, o cesto é a gambiarra que funciona. Há quem veja mais higiene no uso do cesto que na descarga da sentina – e quem sonhe com o dia em que tudo isso será passado, com rede eficaz, papel que se desmanche como deve e banheiros decentes funcionando. Até lá, o cesto segue firme, discreto, cumprindo seu papel. Literalmente.
Pois bem. De primeiro, quando Fortaleza ainda não tinha esgoto, os dejetos eram armazenados em barris de madeira, chamados de quimoas, e depois despejados nas bandas da praia. Essa tarefa cabia aos quimoeiros, que carregavam na cabeça sua carga fedentina.
Por onde passavam, era batata: o povo dava no pé, fugindo do mau cheiro. O vazamento dos tonéis deixava listras esbranquiçadas na pele negra dos quimoeiros – efeito da ureia e da amônia – o que lhes rendeu o apelido pejorativo de “tigres” ou “tigrados”.
Cansados ou bêbados – o que era comum no ofício bruto – largavam o barril em qualquer canto. Sempre passavam pela Santa Casa, desciam o calçamento do gasômetro e descarregavam a fedorenta carga no mar. Depois de lavar o barril, o quimoeiro voltava pela antiga Rua Formosa, hoje chamada Barão do Rio Branco.
O primeiro sistema de esgoto de Fortaleza foi projetado por João Felipe, em 1911, mas só começou a funcionar em 1927 – e cobria apenas uma pequena parte do centro da cidade.
*Totonho Laprovítera
Arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.