Com o título “Chinatown: a nova geografia do Centro de Fortaleza”, eis artigo de Alex Araújo, economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços. “O que estamos vendo hoje em Fortaleza, e em outras cidades do Nordeste, não é uma Chinatown clássica, com templos e lanternas vermelhas. É um modelo mais sutil, centrado no comércio popular, com forte apelo visual e marketing digital”, expõe o articulista.
Confira:
Nos últimos anos, andar pelo centro de Fortaleza é também testemunhar uma transformação silenciosa. Ruas como Guilherme Rocha, Floriano Peixoto e Liberato Barroso, antes marcadas por decadência urbana e esvaziamento econômico, agora abrigam um novo tipo de loja, com fachada colorida, nomes sugestivos e uma profusão de produtos baratos e variados. São as “lojas dos chineses”, que, discretamente, têm ocupado antigos pontos comerciais e reativado fluxos de consumo em uma área até então marcada pela estagnação.
Longe dos estereótipos folclóricos do passado, essa nova presença asiática se insere de forma pragmática e eficaz, reposicionando a centralidade econômica de Fortaleza sob uma nova lógica: a da Chinatown de consumo.
Chinatowns são um fenômeno urbano global. Presentes em cidades como Nova York, San Francisco, Paris e Buenos Aires, elas surgiram, em sua origem, como zonas de refúgio, solidariedade étnica e resistência de migrantes chineses. Eram territórios de exclusão, mas também de reconstrução identitária. Com o tempo, tornaram-se polos turísticos e gastronômicos, integrando-se à paisagem das metrópoles globais.
O que estamos vendo hoje em Fortaleza, e em outras cidades do Nordeste, não é uma Chinatown clássica, com templos e lanternas vermelhas. É um modelo mais sutil, centrado no comércio popular, com forte apelo visual e marketing digital. É o shopping ambulante em forma de loja, que vende desde fones de ouvido e brinquedos até bijuterias, luminárias, ferramentas e utensílios domésticos — sempre com preços agressivos e alto giro de estoque.
O estilo “made in China” de fazer varejo
O diferencial está na forma de operação. Os donos dessas lojas — geralmente famílias ou redes coordenadas por imigrantes chineses — dominam bem a cadeia logística: importam direto da China, negociam em dólar, trabalham com margens apertadas e estoque enxuto. Em vez de grandes marcas, oferecem variedade, praticidade e preço.
Mais do que vender produtos, vendem uma estética: produtos com textos em hànzi, lojas coloridas, com milhares de itens organizados por categorias e embalagens “instagramáveis”.
Tudo parece feito para estimular o consumo impulsivo — e funciona. Basta observar o movimento constante nos balcões, inclusive aos domingos, quando boa parte do centro permanece fechada.
Esse fenômeno não é neutro. Ele altera a paisagem urbana, a dinâmica do trabalho e a economia local. Pequenos lojistas tradicionais sentem a pressão e muitos acusam concorrência desleal, sonegação e informalidade.
Por outro lado, há quem veja nessas lojas uma tábua de salvação para a revitalização do centro. Elas atraem consumidores, aumentam o fluxo de pessoas e estimulam o
uso comercial de imóveis antes abandonados.
Além disso, geram empregos — ainda que com baixos salários — e demandam serviços logísticos, contábeis, jurídicos e publicitários. Ou seja, criam um ecossistema em torno de si. A cidade, ao seu modo, se reorganiza.
Uma disputa simbólica: integração ou enclave?
Há, no entanto, um dilema. Estamos diante de uma integração efetiva entre culturas e práticas comerciais? Ou de um enclave econômico autônomo que se comunica pouco com o restante da cidade? A barreira do idioma, os horários próprios, a discreta relação com fornecedores locais e a concentração de capital levantam essa dúvida.
Além disso, há uma questão de planejamento: como os poderes públicos estão respondendo a essa nova configuração urbana? Há diálogo? Regramento? Inclusão? Ou seguimos empurrando essa transformação para a informalidade, perdendo a chance de criar uma política de revitalização com base na economia real?
Fortaleza é uma cidade marcada por desigualdades, mas também por reinvenções. O centro, que já foi nobre, depois decadente, hoje pulsa em novas frequências. As lojas chinesas são um sintoma desse novo tempo. Por enquanto, operam à margem das políticas de fomento e requalificação urbana. Mas talvez estejam indicando um caminho de resiliência e adaptação que vale ser compreendido.
Chinatowns contemporâneas não precisam de arcos vermelhos ou lanternas simbólicas. Elas podem ter nome de loja com neons rosa e QR code na vitrine. O que importa é o que elas significam: uma cidade que se reconecta com o mundo — mesmo que pelas bordas.
*Alex Araújo
Economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços.