“Mais do que formar um técnico, um tecnólogo, um tecnicista, esse amanhã das escolas pretende formar um humanista, com sensibilidade de alteridade e empatia”, aponta o teatrólogo Ricardo Guilherme
Confira:
CienciArte, conceito em que os sentidos não se expressam tão somente pelo fomento da razão, mas também e simultaneamente pelo fermento da emoção. A neurociência contemporânea já admite que o cérebro precisa se emocionar para aprender. Estudos recentes comprovam que a aquisição de conhecimentos se conecta a substratos neuronais em busca do prazer das emoções que uma vez experimentadas são armazenadas na memória. A emoção nos comove; a emoção nos move porque só aprendemos o que nos afeta pelo afeto.
Os hemisférios cerebrais, direito e esquerdo, não trabalham de forma independente. Um hemisfério é o espaço da criatividade e o outro, o campo analítico, mas ambos são interdependentes. Há transferência de informações entre esses dois. Em outras palavras, afirma o neurocientista espanhol Francisco Mora que se temos talentos mais próximos da matemática ou da arte, isso não se refere a um dos hemisférios, mas à produção conjunta deles.
Assim como somos também produtos do meio, somos também produtos desse entremeio. E, feito os hemisférios – interdependentes, interconectados, interrelacionados – são também integrados os conceitos que a Cienciarte institui. A arte da ciência e a ciência da arte não se restringem a uma mera constituição de informes teóricos e técnicos. O prisma transcende a circunscrição de apenas gerir saberes para então gerar saberes, constituindo mentalidades e temporalidades diversas em relação a um determinado tema. Trata-se, portanto, de uma proposição que no estudo de um determinado tema leva em consideração a transdisciplinaridade deste determinado tema, rompendo, por conseguinte, rígidos enquadramentos epistemológicos ao absorver e rearticular uma certa onidimensionalidade do conhecimento humanístico, a polifonia de transdisciplinares reconhecimentos.
Tal proposição deve inspirar as escolas nas quais os teores estudados precisam fazer conexões criativas com multidisciplinaridades, ensejando a autoaprendizagem, a criticidade, a consciência sociopolítica, de modo a se contrapor a uma mentalidade que pressupõe a negação das diferenças culturais e socioeconômicas, mentalidade que se contrapõe à dinâmica do conhecimento resultante da interação dos saberes.
A Educação requer que o educador dialogue e problematize ideias e ideais na expectativa de estabelecer algo que Paulo Freire denomina de inédito viável, ou seja, uma futuridade a ser construída pela ação do presente. Mais do que formar um técnico, um tecnólogo, um tecnicista, esse amanhã das escolas pretende formar um humanista, com sensibilidade de alteridade e empatia.
Eis o perfil de um formado em escolas assim: alguém capaz de transfigurar a realidade, questionando parâmetros e paradigmas, inclusive ante as IA_ras, sereias virtuais, nautas da net que em navegação, no processo de construção da tecno-genética, criam personas pós-biológicas, corpos não-sangüíneos, telepresenças do ciberespaço.
Na Era Digital o humano se virtualiza em performance informática. A matéria se rematerializa em versão metaverso, pele de tele, ícone de algoritmo, fato fake, invenção da inteligência generativa que os sistemas da máquina-mater dos supercomputadores se dispõem a gerar e gerir sob controles geopolíticos, com consideráveis repercussões no âmbito das autorias, autonomias e automação dos trabalhos braçal e intelectual.
Pensar e repensar as intervenções dos inventos são tarefas de hoje para o amanhã de escolas no qual “cientistasartistas” (sem hífem) vivenciem não a contagem da ciência mais a arte, mas o contágio recíproco da ciência com a arte, resultando não somente em soma, mas em rizoma, não somente em interação, mas em interseção.
Afinal, arte e ciência não pertencem com exclusividade aos que se dedicam profissionalmente à arte e à ciência. A ciência e a arte são patrimônios humanos, oriundos do trabalho que o ser humano realiza a partir do seu potencial de percepção e representação cognitivas, subsidiando expectativas, mas também e sobretudo buscando sempre criar novas perspectivas.
Ricardo Guilherme é ator, teatrólogo e membro da Academia Cearense de Letras