“Mais do que competição, a corrida de rua promove pertencimento e cada etapa é uma forma de reafirmar que correr é também ocupar e ressignificar o espaço urbano”, aponta o jornalista Luiz Henrique Campos
Confira:
O fim de semana em Fortaleza foi mais uma vez marcado por grandes corridas de rua. No sábado, na Beira Mar, tivemos o Vybbe Run, que reuniu multidão atraída por cantores de forró nos pós prova. Domingo foi dia da Cometa, já tradicional prova que em vista do sucesso das edições anteriores, foi praticamente obrigada a sair da Oliveira Paiva por não mais comportar a grande quantidade de inscritos. Em menor proporção em relação as citadas anteriormente, destaco todavia o Circuito Desbrava Centauro, no North Shopping Jóquei, que teve como percurso as ruas do Henrique Jorge e região.
O Desbrava nos deixa como mérito, o fato de que mais do que uma prova, a corrida de rua pode funcionar como proposta de ocupação e valorização dos territórios da capital. Enquanto muitas corridas insistem em repetir os mesmos cenários e trajetos, o Desbrava se propôs a algo mais ousado: descentralizar. A cidade é múltipla, feita de bairros vivos e pessoas diversas, e o evento acerta ao levar sua estrutura para regiões que raramente recebem o mesmo cuidado. Isso, por si só, é um gesto de inclusão e reconhecimento.
A descentralização dos espaços deve ser exaltada, ao meu ver, principalmente por dois pontos. O primeiro diz respeito aos transtornos que se tornam difíceis de contornar em locais como a Beira Mar, onde há pessoas que têm todo o direito de não apreciarem a aglomeração e o ambiente festivo que os eventos de rua encerram. O segundo é que não se corre em Fortaleza apenas na Beira Mar ou em áreas nobres. O público corredor da capital perpassa diferentes origens e realidades, e o Desbrava teve o mérito de enxergar e valorizar isso.
Mais do que competição, a corrida de rua promove pertencimento e cada etapa é uma forma de reafirmar que correr é também ocupar e ressignificar o espaço urbano. O corredor deixa de ser apenas atleta para se tornar um desbravador — alguém que redescobre a cidade, observa suas transformações e reconhece sua pluralidade. Isso revela, por fim, que ao contrário de quem vê na corrida apenas busca por medalha, esta convida à reflexão. A cidade é de todos e deve ser vivida por todos, em todos os seus cantos. E quando isso acontece, ganha o atleta, ganha o bairro e, sobretudo, ganha Fortaleza.
A iniciativa, portanto, acerta ao descentralizar os espaços e valorizar regiões muitas vezes esquecidas quando se fala em lazer, saúde e mobilidade. Fortaleza é uma cidade plural, feita de bairros, avenidas e pessoas diversas, e não há motivo para que o privilégio de correr com estrutura e segurança se restrinja às áreas nobres.