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“Clóvis Beviláqua”

Filomeno Moraes é cientista político

Com o título “Clóvis Beviláqua”, eis artigo de Filomeno Moraes, cientista político. Ele aborda a personalidade do cearense dos mais respeitados no mundo do Direito.

Confira:

Vindas do Rio Janeiro, no último dia 26, as cinzas de um dos mais eminentes juristas brasileiros de todas as épocas, Clóvis Beviláqua – acompanhadas das cinzas da companheira de toda a vida, Amélia Carolina de Freitas Beviláqua – foram recebidas em Viçosa do Ceará, a sua cidade natal, e ali permanecerão.
Os que frequentaram as faculdades de Direito entre 1917 e 2002, arrostaram inevitavelmente o Código Civil de inspiração de Beviláqua. Durante muitas décadas, nelas prevaleceu a visão privatista do Direito, com a predominância contrária ao que José Eduardo Farias chamaria de “juristas fora da curva” (Raymundo Faoro, Orlando Gomes e San Tiago Dantas). Na verdade, o direito impunha-se fundamentalmente como o direito de propriedade, na sua acepção mais larga. Promovia-se um culto a
Clóvis Beviláqua em que se lhe retiravam os adornos filosóficos, históricos, sociológicos e literários, deixando-se apenas o dogmatismo.

Para estudar, Beviláqua partiu cedo do Ceará e fora do Ceará permaneceu, radicando-se no Recife e depois no Rio de Janeiro, onde faleceu e foi sepultado há oitenta anos. Mas, ao alvorecer da República, em fevereiro de 1891, foi escolhido deputado ao Congresso Constituinte Cearense, o qual, inaugurado em maio, deu à luz a primeira Constituição Política do Estado do Ceará, no seguinte mês de junho.
Segundo Sílvio Meira, o seu principal biógrafo, Beviláqua participou ativamente na elaboração do documento, mas, renunciou ao mandato, quando o órgão passou à atividade legislativa ordinária. Além do mais, merece ser destacada a observação de San Tiago Dantas, segundo o qual Beviláqua “levou do Ceará, e guardou por toda a vida, o culto de José de Alencar”.

Acima de tudo, foi o que se denominou “projeto primitivo” do Código Civil que tornou Beviláqua, até hoje, permanente no mundo jurídico brasileiro. Em 1899, o presidente Campos Sales, por intermédio do seu ministro da Justiça, o paraibano Epitácio Pessoa, atribuiu a Beviláqua a missão de apresentar um anteprojeto de Código Civil. Segundo Christian Linch, duas razões orientaram a escolha: uma, a lealdade
ideológica com o liberalismo cientificista, em especial, o evolucionismo, a unir Sales, Pessoa e Beviláqua; a outra, a irrelevância política de Beviláqua, um acadêmico puro que, depois de trabalhar por cinco anos como bibliotecário na Faculdade de Direito de Olinda, tornara-se ali professor concursado de Filosofia e de Legislação Comparada, sendo alguém que, então, não advogava e não revelava aspirações a cargos no
Judiciário ou no Ministério Público nem na política.

Todavia, se não tinha relevância política, a sua relevância intelectual, como criador da moderna e sistemática literatura jurídico-civilista, com a publicação de diversos trabalhos, já era reconhecida nacionalmente. A recepção do seu Direito de Família (1896) foi entusiástica, como obra a adotar o enfoque sociológico, com destaque para a defesa da condição jurídica das mulheres e dos filhos ilegítimos frente ao conservadorismo imperante no campo do direito de família de então.

Naturalmente, Beviláqua esteve sujeito à crítica dos contemporâneos e dos pósteros, como a do uso da língua no seu “projeto primitivo”, a de passar ao largo dos direitos sociais emergentes, fundamentalmente, os relativos ao trabalhador, a das suas opiniões jornalísticas sobre o Habeas Corpus nº 26.155/1936, requerido ao Supremo Tribunal Federal por Olga Benário. Críticas não necessariamente impróprias; muitas, cruéis e injustas. A propósito, algumas foram corrigidas ou amenizadas durante a vida
de Beviláqua, como o fez, por exemplo, Rui Barbosa, então presidente do Instituto dos Advogados do Brasil, que, por ocasião do centenário nascimento de Augusto Teixeira de Freitas (1916), assim se referiu ao jurista cearense: “Para falar sobre o maior civilista morto, concedo a palavra ao maior civilista vivo”.

Ao fim e ao cabo, talvez prevaleça o juízo formulado por Raquel de Queiroz, que, em crônica quando do seu centenário de nascimento, definiu Beviláqua como “um homem bom e simples que, à força de honestidade e de estudo, conseguiu chegar a ser um sábio e, como diziam muitos, um santo”.

*Filomeno Moraes

Cientista Político, doutor em Direito (USP), livre-docente em Ciência Política (Uece)e com estágio
pós-doutoral pela Universidade de Valência (Espanha).

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