“Cobra mamadora” – Por Totoho Laprovítera

Totonho Laprovíítera: o contador de hstórias. Foto: Portal IN

Com o tóitulo “Cobra mamadora”,,eis mis um conto da lavra de Totonho Laprovitera, arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.

“Mesmo quem se arrasta pelo chão, sonha voando pelo céu.” (Toim da Meruoca)

Confira:

Para começo de conversa, eu acredito em tudo o que me dizem, mas só me guio mesmo é pelo que sei, e só quando bate certo com meus princípios e convicções.

Pois bem. Quando ouvi, pela primeira vez, a expressão “a cobra vai fumar”, já imaginei a vinda de coisa complicada por aí. Algo difícil de acontecer, mas, se acontecesse, ia dar trabalho danado. Dizem que esse dito nasceu nos tempos da Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil mandou sua tropa para a Itália a Força Expedicionária Brasileira, a FEB.

Muita gente, duvidando, dizia: “É mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra.” Pois o Brasil entrou, o ditado pegou – tanto que a FEB adotou como símbolo uma cobra com cachimbo e a frase: “A cobra vai fumar.”

Já que o assunto é cobra, lá pelas bandas do sertão ainda corre solta uma fala antiga, daquelas do arco-da-velha, sobre uma tal cobra mamadora. Tem gente que jura de pé junto que já viu com os próprios olhos. Outros, mais descrentes, acham que é tudo invenção. Mas o certo é que essa história vive passando de boca em boca, de geração em geração, sem se apagar no tempo.

Contam que a tal cobra mamadora não é bicho qualquer, não. É uma muçurana – bem comprida, de couro escuro e brilho molhado, que se arrasta pelo mato. Mansa, não é venenosa, nem faz mal a ninguém. Pelo contrário: vive a limpar o caminho, alimentando-se de cascavel, jararaca e outras serpentes traiçoeiras. Assim, em muitos cantos do interior, é conhecida como “cobra do bem”.

Mas a parte mais contada da história é outra. Acontece, quase sempre, em casa de taipa, chão batido, telhado vã, rede armada no canto do quarto. Dizem que, quando a mulher está amojada, no tempo do resguardo, a cobra sente de longe o cheiro do leite fresco. Aí, bem quietinha, ziguezagueando na escuridão da madrugada, sobe no pé da parede, estira-se até a rede, e ali se ajeita como gente.

Enquanto a mãe dorme, cansada das noites sem descanso, a muçurana se achega, suga o leite com delicadeza, sem machucar, sem acordar. Para a criança não chorar nem dar pela falta, bota a pontinha do rabo na boca do bebê, como quem oferece um bico de consolo. Quando se farta, vai embora, sem deixar rastro.

Verdade ou não, ninguém sabe ao certo. Mas, por aquelas bandas, o que conta mesmo é o que o povo sente e acredita. E a história da cobra mamadora, com seu mistério e sua fama de benfazeja, continua viva – na memória dos mais velhos e nas conversas ao redor da fogueira, agora acesas à beira do clarão do candeeiro ou mesmo da luz elétrica, que chegou, mas não levou embora o encanto do sertão.

*Totonho Laproviítera,

Arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.

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