Com o título “Compra de voto e reação aos infratores”, eis artigo de Djalma Pinto, advogado e autor de livros na área do Direito Eleitoral. “O TSE tem reprimido tal conduta por comprometer a igualdade na disputa e a normalidade das eleições. Enquadra, inclusive, como crime a promessa de cargo para obtenção de voto”, expõe o articulista.
Confira:
Uma das piores sequelas do processo eleitoral é a compra e venda do voto. Essa cultura, sedimentada ao longo dos anos, tem provocado reação do legislador. A ação é descrita como crime de corrupção eleitoral, com pena de reclusão de até quatro anos. Pode ainda configurar captação ilícita de sufrágio ou abuso do poder político e econômico.
O TSE tem reprimido tal conduta por comprometer a igualdade na disputa e a normalidade das eleições. Enquadra, inclusive, como crime a promessa de cargo para obtenção de voto.
Este julgado comprova o rigor da Corte Superior Eleitoral, nesse combate: “[…] Crime de corrupção eleitoral (art. 299 do CE) 7. A promessa de cargo público para pessoas que não eram filiadas a partidos políticos e que deram seu voto mediante promessa de serem nomeados para cargos públicos comissionados configura o delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral. 8. O requerimento de registro de candidatura é irrelevante para a configuração do delito do art. 299 do Código Eleitoral. A exigência da formalização de candidatura não é elemento do tipo penal. 9. O acórdão regional encontra-se alinhado à jurisprudência desta Corte Superior no sentido da (i) desnecessidade de pedido expresso de votos para configuração do crime de corrupção eleitoral; (ii) direcionamento da conduta penalmente imputável a um eleitor individualmente identificado ou identificável; e (iii) demonstração do dolo específico em obter, dar, conseguir ou prometer abstenção de voto. […]”. (Ac. de 18.2.2020 no REspe nº 311285, rel. Min. Luís Roberto Barroso.)
Na mesma linha, de repressão ao aliciamento do eleitor para obtenção do voto, esta manifestação do TSE: “[…] Ação de investigação judicial eleitoral (AIJE). Abuso de poder econômico e político (art. 22 da LC 64/90). Captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97). 1. No decisum agravado […] mantiveram-se perda de diplomas, inelegibilidade e multa impostas […] por abuso de poder econômico e político e captação ilícita de sufrágio, haja vista esquema de distribuição de combustíveis, dinheiro e cestas básicas, além de transporte ilegal de eleitores próximo ao pleito, com recursos públicos e privados, em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) proposta pelo Parquet. […]” (Ac. de 22.3.2018 no AgR-REspe nº 1635, rel. Min. Jorge Mussi.)
O político comprador de voto, na verdade, projeta a sua completa ausência de educação para a cidadania e sua incontroversa desqualificação para o exercício do mandato eletivo.
Afinal, por que o eleitor não tem o direito de vender o seu voto, sendo qualificada sua ação como crime grave? A resposta é dada pelo filósofo e Professor de Harvard, Michael J. Sandel: “porque consideramos que os deveres cívicos não devem ser encarados como propriedade privada, mas como uma responsabilidade pública. Terceirizá-los significa aviltá-los, tratá-los de maneira errada.” (O que o dinheiro não compra, Civilização Brasileira, 4ª edição, Rio de Janeiro, 2013, p. 15). A venda do voto pune, não apenas o vendedor, mas toda a cidadania. Essa punição é comprovada no atendimento oferecido às pessoas, nos hospitais públicos, no momento de sua enfermidade; na total insegurança vivenciada nos seus bairros etc.
A compra e venda do voto só atesta a necessidade de integral observância do art. 205 da Constituição, no ponto em que exige que a educação qualifique as pessoas para o trabalho e para o exercício da cidadania. Quais escolas, no Brasil, se preocupam em conscientizar o aluno para ter vergonha de comprar ou vender o voto? Em sedimentar, no espírito de cada jovem, a ideia de que o poder político se destina a fazer sempre o melhor pela coletividade, jamais para a satisfação do interesse pessoal?
Educação, também como transmissão de valores, e sanção efetiva, aplicada com isenção e neutralidade aos infratores da lei eleitoral, independentemente do vínculo partidário do infrator, propiciarão, em curto espaço de tempo, o surgimento de lideranças capazes de reduzir a desigualdade, combater a violência e garantir a prosperidade para todos.
*Djalma Pinto,
Advogado e autor de diversos livros, entre os quais “Distorções do Poder” e “Ética na Política”.