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“Confederação do Equador no Ceará – Parte Final”

Filomeno Moraes é cientista político

“Puseram a Província do Ceará num lugar de destaque na formulação de um projeto de ‘outra Independência'”, aponta o cientista político Filomeno Moraes.

Confira:

26 de agosto de 1824 – “é proclamada a república no Ceará em grande conselho de 455 eleitores, quase todos notabilidades da Província, com assistência das Câmaras de Fortaleza, Aquiraz e Messejana e procuradores das demais câmaras da Província”, anotou o historiador Guilherme Studart.

Ao abordar o processo de desenvolvimento da independência nacional, observa-se que a busca pela consciência política, a contradição dos atores políticos e a vontade de constituição, pelo menos em alguma medida e mesmo atabalhoadamente, puseram a Província do Ceará num lugar de destaque na formulação de um projeto de “outra Independência”, no sentido que lhe deu o historiador Evaldo Cabral de Melo. Por sua vez, outro historiador, o conselheiro Tristão, destacou que “foi no Ceará onde primeiramente vimos entre nós praticado o sistema republicano, funcionando o governo democrático com o devido aparelho administrativo, isto é, constituindo presidente popularmente eleito, reunindo conselho popular na capital da província, e escolhendo deputados para o congresso nacional constituinte, que devia reunir-se e funcionar na capital de Pernambuco, centro da confederação do Equador proclamada em 1824”.

Pode-se afirmar que o móvel imediatamente fundamental para a Confederação do Equador foi o fechamento “manu militari” da Assembleia Constituinte de 1823 e a outorga da Constituição de 1824. A propósito, já na sequência dos acontecimentos da Província do Ceará nesse ano, entre outros, a proclamação republicana da vila de Quixeramobim e a deposição do governador Costa Barros, o comandante das armas Pereira Filgueiras dirigiu-se ao ministro dos Negócios da Guerra encarecendo um conjunto de preocupações de caráter constitucional, pois, “estávamos esperando uma Constituição Liberal duas vezes mais que a primeira; como, porém o Povo não viu esta para confrontar com a outra, e com a leitura das Proclamações, procedimentos despóticos, […] se persuadiu da infalibilidade da sua queda nos horrores do cativeiro”.

Em 31 de março de 1824, o Governo Provisório do Ceará, que tinha à frente Tristão Araripe, se dirigiu ao imperador protestando contra a dissolução da Assembleia Constituinte e afirmando ser “indizível o desprazer universal, que causou nesta Província do Ceará a notícia infausta da dissolução da Assembleia Constituinte e Legislativa da Nação Brasileira no fatal dia 12 de novembro”. Na sequência, em 4 de maio, a Câmara Municipal de Quixeramobim repeliu o Projeto de Constituição criado pelo imperador; em 12 de junho, a Câmara de Granja também negou a aprovação; em 11 de julho, a de Icó. Muito tardiamente, em 10 de outubro, Baturité presta adesão à República do Equador, no mesmo dia em que, no Aracati, monarquistas arvoraram de volta em suas casas a bandeira imperial.

No dia 31 de outubro, derrotado em batalha contra as forças imperiais, Tristão foi assassinado e o seu cadáver vilipendiado, acabando por ser sepultado na capela de Santa Rosa (hoje Jaguaribara).

Se, na expressão de João Brígido (2009), a história do Ceará é quase de angústias e de dores, se, para cada esperança, aqui houve o malogro, para cada luta, a ignomínia da dispersão ou da morte, 1824 bem o atesta. O contribuição de sangue, imposta em contrapartida à insurgência, levou no ano seguinte ao fuzilamento no hoje Passeio Público, em Fortaleza, do padre Mororó e de Pessoa Anta, em 30 de abril; de Francisco Ibiapina, em 7, de Luís de Azevedo Bolão, em 16, e de Feliciano Carapinima, em 28 de maio.

Em trecho de correspondência burocrática, dirigida pelo encarregado de pôr ordem na região conflagrada pela Confederação do Equador a autoridade na Corte, o então coronel Francisco de Lima e Silva dá a exata dimensão das transformações ocorridas: “Na Revolução de 1817, como o povo não tinha entrado nela, era ele quem denunciava, e prendia os malvados [sic]; eis o que agora não acontece, por isso que a maior parte dos habitantes de diversos lugares se acham comprometidos, e são os mesmos que acoitam os mais criminosos: ainda mais, naquela época os povos eram obedientes, e ainda se lhes não tinha pregado com Constituição, liberdade, soberania popular, e outras doutrinas semelhantes […].

Ao fim e ao cabo, pode-se afirmar que foi no Ceará que a dissolução da Assembleia Constituinte de 1823 repercutiu primeiramente de um modo radical, com as veleidades republicanas, e foi o Ceará que pagou talvez o maior tributo de sangue e martírio, repressão e sofrimento, desintegração social e flagelo social e econômico, entre os que reagiram às intenções absolutistas redivivas.

Filomeno Moraes é cientista político. Doutor em Direito (USP). Livre-Docente em Ciência Política (UECE). Estágio pós-doutoral pela Universidade de Valência (Espanha). Publicou os livros “Estado, constituição e instituições políticas: aproximações a propósito da reforma política brasileira” (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021) e “A ‘outra’ Independência a partir do Ceará: apontamentos para a história do nascente constitucionalismo brasileiro” (Fortaleza: Edições UFC, 2022), e o e-book “Crônica do processo político-constitucional brasileiro (2018-2022).” (Fortaleza: Edições Inesp, 2022)

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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