Com o título “COP30 e o Grito da Zona Verde: Um mundo além das mercadorias é possível?”, eis artigo de Dalton Rosado, advogado e escritor. “Felizmente na COP30, já se vê que parte das bandeiras empunhadas pelos militantes comunitários da chamada zona verde, antiestatal, representam manifestações pró relação social desfetichizada, sem dinheiro e sem mercadorias, e que recusa as esmolas dos países ricos, justamente os maiores emissores de gás carbônico na atmosfera (que assim continuam com tal prática) e a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, porque entenderam que não se pode apagar o fogo com gasolina”, expõe o articulista.
“Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas;
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas;
Da feia fumaça que sobe apagando as estrelas…”
Caetano Veloso
Confira:
É notório que a humanidade vive um período crítico de seu itinerário histórico de uma segunda natureza racional marcada pelo aumento da população mundial, hoje, calculada em cerca de 8 bilhões de habitantes em novembro de 2022 pela ONU – Organização das Nações Unidas.
Há um paradoxo que consiste no seguinte fato: no momento em que o saber tecnológico alcança níveis de domínio capazes de produzir a chamada Inteligência Artificial, ao mesmo tempo ocorre o aumento das dificuldades de moradia, alimentação, educação, segurança e saúde da vida humana planetária, bem como se observam o surgimento de focos de guerras e rebeliões mundo afora e fenômenos climáticos intensos como nunca antes existiram
Não há exagero nessa constatação porque basta acionarmos os muitos e velozes meios de comunicação (televisão, computadores, celulares, jornais e revistas eletrônicas, lives, podcasts, sites, canais, livros, etc., todos de imediatos acessos via internet) para constatarmos a situação caótica sob a qual vivemos.
Esses são sintomas evidentes que o modo de relação social estabelecido mundialmente pelo sistema produtor de mercadorias, o capitalismo, configura em face do seu anacronismo de forma e conteúdo. O capital encontrou o seu ponto de saturação no qual a forma política e de produção social já não se adequa ao conteúdo de sua lógica funcional provocando esse paradoxo, ou seja, o momento no qual mais sabemos é justamente o momento em que mais sofremos.
O problema crucial reside no fato de que a humanidade naturalizou e positivou a produção de mercadorias como única forma de vida social, ou seja, transformou uma construção histórica (sub-repticiamente escravista) num dado ontológico da existência humana, algo assim como equiparar o ato de produção de mercadorias ao tão indispensável e natural ato de se tomar água e se alimentar.
O homem não criou apenas uma mercadoria para si, mas criou uma mercadoria para o homem, ou seja, uma relação social simbiótica de interação entre o seu ser e a coisa por ele criada que o aprisiona e submete; que o faz aceitar que cada bem de consumo natural resultante de sua interação natural de nervos e músculos com a natureza, tenha uma natureza abstrata concomitante (uma mensuração de valor monetário de troca) que intervém negativamente e destrutivamente na vida social humana como relação opressora e escravista.
Dessa forma, ao entender equivocadamente que a relação social sob o valor monetário é apenas mais uma espécie do gênero valor em geral (como são os valores virtuosos como a inteligência, a saúde, a beleza, a arte, a generosidade, etc.), ou seja, que o dinheiro e as mercadorias são meros facilitadores da vida social como o uso de uma faca para cortar alimentos, ou uma máquina de costurar para fazer uma vestimenta, etc., aceitam, inadvertidamente, um modo de produção social negativo, excludente e segregacionista como sendo natural, como sendo ganho da evolução da sociabilidade humana, e tenta aperfeiçoá-lo ao invés de negá-lo in totum, principalmente nesse momento de incompatibilidade entre sua forma e seu conteúdo.
Exemplo claro disso é a controvérsia hoje existente no Brasil e mundo afora sobre a repressão ao crime organizado. As abordagens sobre o combate ao crime organizado da política são diferentes na forma, mas mantêm uma unidade básica de conteúdo: atuam sob um mesmo modo de produção social sem questioná-lo na essência.
A direita defende a tese de que “bandido bom é bandido morto”; a esquerda defende a tese de que “o bandido é cria do capitalismo selvagem e que se deve dar tratamento humano aos dois.”. Tratam-se de diferentes formas de atuação de capitalismo, desde que seja sempre capitalismo.
A maioria do povo das periferias e não apenas por lá, extorquido pelo crime (que já não se contenta com a tráfico de entorpecentes e agora cobra pedágio de segurança, monopólio do gás, da internet, da água, etc., como um imposto do estado paralelo) aplaude a brutal violência estatal como forma de combate ao crime; e uma outra parte do povo da periferia teme as balas perdidas que terminam por achar um inocente vez ou outra.
A política se divide nesses dois campos de compreensão sem questionar a origem problema, porque ambos defendem a existência do Estado (mínimo, empresarial estatista, ou ainda uma mescla dos dois) porque é dele e dos impostos que se nutrem enquanto partidos legalmente constituídos. Por sua vez, é o sistema produtor de mercadorias, fonte do capital e de sua reprodução autotélica cumulativa vazia de sentido humano, quem financia (na fratricida luta concorrencial de mercado) o próprio estado, a direita, a esquerda, e o crime organizado.
Que se lutem pela superação do sistema produtor de mercadorias e não por sua “boa administração”; que se coloquem o dedo na ferida; porque se não tomarmos o rumo certo da caminhada, quanto mais aceleramos a nossa velocidade e mais moderno e possante for o veículo, mais nos distanciamos do ponto ao qual se deve chegar.
Felizmente na COP30, já se vê que parte das bandeiras empunhadas pelos militantes comunitários da chamada zona verde, antiestatal, representam manifestações pró relação social desfetichizada, sem dinheiro e sem mercadorias, e que recusa as esmolas dos países ricos, justamente os maiores emissores de gás carbônico na atmosfera (que assim continuam com tal prática) e a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, porque entenderam que não se pode apagar o fogo com gasolina.
*Dalton Rosado
Advogado e escritor, participou da criação do PT em Fortaleza (1981), foi cofundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980.