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“Correspondente de guerra, jornalista e escritor: Vassili Grossman na batalha” – Por Flamínio Araripe

Flamínio Araripe é jornalista e pesquisador. Foto: Arquivo Pessoal.

Em artigo, o jornalista e pesquisador Flamínio Araripe explora as relações entre jornalismo e literatura na Segunda Guerra Mundial. Analisa a obra de Vassili Grossman, escritor judeu ucraniano, contratado como correspondente do jornal “Estrela Vermelha”, órgão oficial do Exército Vermelho, para cobrir a frente de batalha, na luta de resistência ao exército alemão. Em seguida, acompanha a contra-ofensiva soviética, que avança até Berlim e derrota o fascismo. Com acréscimo de uma visão crítica às anotações para suas matérias no conflito, publicou livros de conteúdo jornalístico e o romance “Vida e Destino”, considerado por alguns a maior obra da literatura do Século XX.

Confira:

Durante três anos, de 1941 a 1945, Vassili Grossman (1905-1964), foi correspondente do jornal “Estrela Vermelha”, do exército soviético, na Segunda Guerra Mundial. As anotações nos seus cadernos com os fatos da frente de batalha alimentavam matérias no dia a dia, leitura obrigatória dos soldados no front e de civis envolvidos no esforço de guerra. Mas outra parte dos registros, o que não cabia no órgão oficial, com a visão crítica do autor, anos depois deu origem aos livros “Stalingrado”, “Um escritor na guerra: Vassili Grossman com o Exército Vermelho 1941-1945” e outros.

Em 1941, quando os nazistas invadem a Ucrânia, Grossman consegue fugir da terra onde nasceu. Mas sua mãe ficou – e foi morta na câmara de gás em campo de extermínio de judeus. Recusado para o serviço militar ativo – era um tipo franzino, com óculos de grau -, ele foi contratado pelo jornal do Exército Vermelho para cobrir o conflito no front. O repórter escritor cobriu as lutas no cerco de Moscou. Daí foi enviado à batalha de Stalingrado, onde produziu informes durante toda resistência da cidade às investidas alemãs por sete meses.

Seus relatos de guerra acompanham a expulsão dos invasores de Stalingrado. Em textos curtos, assinados, mantinha o discernimento para traduzir as estratégias e manobras militares. Informação enriquecida pelo acesso ao comando militar, oficiais do primeiro escalão e pela experiência dos soldados. Fez toda cobertura do cerco do exército alemão, com pesadas baixas aos fascistas, entre 700 mil a 800 mil homens, entre mortos, feridos e prisioneiros.

O repórter escreveu combate a combate o fulcro da contra-ofensiva avassaladora dos soviéticos que libertou a Ucrânia. A partir de 1943, com a derrota em Stalingrado, começa a derrocada do III Fuhrer, que não consegue mais retomar território na frente oriental. As matérias de Vassili Grossman seguem as batalhas ao longo do avanço soviético em Kursk, Ucrânia, a maior batalha de tanques da história. Testemunham a tomada da Polônia, o avanço pela Alemanha e a conquista de Berlim, com a morte de Hitler e a rendição final. Mas não foi com relatos jornalísticos que Vassili Grosman conquistou seu lugar na literatura universal. Sua obra-prima, “Vida e Destino”, que tem como cenário a Rússia em luta com a Alemanha, um alentado romance de mais de 900 páginas, foi comparado a “Guerra e Paz”, de Tolstoi.

Já contaram 150 personagens no romance, desenvolvido em cenários no front e na retaguarda. Ora em um campo de prisioneiros do regime soviético, ora no campo de concentração dos alemães com prisioneiros russos, Grossman revela a alma dos personagens. Mostra na Alemanha o momento de execução do planejado político nazista de extermínio em massa do povo hebreu. Leva o leitor a um trem com judeus que desembarcam e marcham para a câmara de gás, pessoas com nome – velhos, mulheres, crianças -, as reações das vítimas e seus diálogos a caminho da morte.
Medo e execuções

A vitória na guerra fortaleceu o nacionalismo e o poder do Estado soviético, que se projetou como uma sombra de medo sobre o país, com perseguições, execuções e campos de prisioneiros na Sibéria. É um exemplo o caso de um herói de guerra vitorioso da resistência em Stalingrado, bolchevique e comunista de primeira linha, retirado da frente e submetido a humilhações de julgamento em Moscou, baseado em denúncias mentirosas. O esmagamento do indivíduo pelo Estado, a frieza cínica da burocracia do regime de força. Químico de formação, escritor de vocação, Grossman coloca como um dos núcleos do “Vida e Destino” os pesquisadores e teóricos da física de um instituto de ciência que estuda a fissão do átomo. Alvo da mesquinhez das intrigas e sabujice dos acólitos do regime, o personagem principal, Vickton Chtrum, vive uma trajetória do opróbrio e ostracismo até a redenção, por interesse do governo, que já perseguia a bomba nuclear.

“Um dos grandes romances”

No livro “O primeiro leitor” (2025), o escritor e editor Luiz Schwarcz”, da Companhia das Letras, comenta esta obra: “Um dos grandes romances que li se chama “Vida e destino”, escrito por Vassili Grossman. Trata-se de um painel amplo da Rússia durante a Segunda Guerra Mundial, um retrato do stalinismo, e também do nazismo. Mais que isso, “Vida e destino” é uma ficção tocante
sobre a convivência com a morte nas ruas de várias cidades russas e nos campos de extermínio dos dois regimes. Tudo o que se pode dizer sobre essa obra é pouco“. “A gama de personagens e de cenários, a riqueza das descrições, a pureza de espírito do autor, tudo é maior no romance, a ponto de nos perguntarmos se fora da escrita e da arte o ser humano pode viver momentos tão sublimes como os que sua leitura nos proporciona. É um desses livros que nos faz acreditar na literatura e no ser humano”.

*Flamínio Araripe

Jornalista e pesquisador.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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