“Eis que sobreveio o portentoso voto do Ministro Luiz Fux, magistrado de carreira e que, de modo científico, responsável e quase (hoje em dia) surpreendente, exarou voto com extensa e profunda motivação jurídica”, aponta o advogado e professor Valmir Pontes Filho
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Aprendi, em KELSEN, que a juridicidade de uma Constituição é dada pela sua própria Norma Hipotética Fundamental, ditada por quem exerce o PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO e a estabelecer; “Cumpra-se a Constituição que foi posta”. Trata-se a NHF, obviamente, de uma norma pressuposta, de natureza lógica (dedutível)!
Rompida a normalidade institucional da Constituição (democrática) de 1946, com o contragolpe militar de 1964 (que visou, a meu sentir, a evitar a implantação de um regime comunista por Goulart & cia), é verdade que arbitrariedades restaram cometidas.
Sobreveio a Carta de 1967 – de legitimidade duvidosa, já que “aprovada” (com prazo certo) por um Congresso manietado e “higienizado” pelas cassações, cuidou-se de editar a “Emenda nº 01, de 1969” – na verdade uma nova Constituição OUTORGADA – a qual manteve, em seu íntimo, um vírus letal: o famigerado Ato Institucional nº 5 (AI-5). A ditadura restou escancaradamente implantada. Em 1970 restou expedido o nefando Decreto-lei nº 1.077, a instituir a censura prévia (tais instrumentos eram expedidos pelo Chefe do Executivo, com vigência imediata e aprovados por “decurso de prazo).
Àquela época (ainda) existia uma Suprema Corte com gente íntegra e sobranceira. Vencido na votação que considerou “constitucional” o tal “decreto da mordaça”, o insigne Ministro Adaucto Lúcio Cardoso levantou-se da cadeira, jogou sobre ela sua toga e se retirou do Plenário: “este colegiado não me merece”, disse ele!
Do intenso e popular movimento pela redemocratização, sobreveio a Constituição de 1988, de INDUVIDOSA LEGITIMIDADE (já que múltiplas, incontáveis, foram as participações de grupos da sociedade em sua elaboração), a qual fortalecia as garantias democráticas (de liberdade, em todos os seus aspectos) e o federalismo.
Pecou ela, entretanto – à conta das circunstâncias especiais daquele momento – por ser minuciosa em excesso. A seu respeito, caustica e ironicamente chegou a dizer Roberto Campos: “A nossa Constituição é uma mistura de utopias e de regulamentação minuciosa do efêmero”.
A “Carta Cidadã”, do saudoso Ulysses Guimarães resta, porém, (quase) completamente desfigurada por mais de uma centena de Emendas, algumas até a modificarem o seu Ato das Disposições Transitórias, algo logica e juridicamente inadmissível. A Constituição do Estados Unidos da América, com 230 anos de existência, contém 7 artigos e 27 emendas (tudo a caber num caderno de 5 páginas).
Essa sua transfiguração não ocorreu apenas por obra do “poder reformador” formal (limitado), mas à conta de tal “mutação” constitucional, protagonizada pela via interpretativa deste stf, O PIOR da história da República. O “supremo” que aí está apoderou-se de funções legiferantes e executivas. Continuadamente degrada e conspurca a Norma Suprema, sem pudor algum.
Estamos no mais profundo patamar de um fétido poço. Inquéritos (“do fim do mundo”, apud Celso de Mello) são abertos mas NULOS (juridicamente inválidos ab initio). Um milhar de presos políticos remanescem no cárcere e outros inocentes estão a caminho dele. Contínuas as ações que visam à manietação das liberdades de pensar e expressar o pensamento, fato que levou diversos brasileiros de notável valor ao exílio ou ao silêncio forçado.
Em resumo, vivemos num País SEM DIREITO VIGENTE. A Constituição de 88, repito, foi DESLIGITIMADA por seus próprios operadores oficiais, a quem competia “guardá-la”. Noutra palavras, temos uma Constituição que não tem uma Norma Hipotética Fundamental… a não ser que ela esteja a dizer: “descumpra-se esta Constituição”.
Com os recentes e enviesados votos dos ministros Alexandre e Dino na ação penal contra Bolsonaro e outros – “juízes” que se deviam declarar SUSPEITOS para julgar o caso, dada a notória e declarada inimizade com o réu principal – já se vislumbrava que se tratava, às escâncaras, de um julgamento de propósito político: o de “derrotar” de vez o bolsonarismo, seja lá o que isto signifique.
Eis que sobreveio o portentoso voto do Ministro Luiz Fux, magistrado de carreira e que, de modo científico, responsável e quase (hoje em dia) surpreendente, exarou voto com extensa e profunda motivação jurídica (constitucional, legal, doutrinária e jurisprudencial). Cuidou ele, em correta e elogiosa postura, de FUNDAMENTAR cada momento decisório de sua fala, inclusive quanto à notória e evidente INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA do tribunal para apreciar aquele processo.
E, o que é mais digno de encômios, a INDIVIDUALIZAR as condutas de cada acusado. Enfim, decidiu nos limites da “moldura normativa” kelseniana, sem toldar sua notória capacidade exegética dos princípios e das normas constitucionais.
Virão, a seguir, os votos de Carmen Lúcia e Zanin – cujas posturas impregnadas de tendenciosidade ideológica (não se deslembre que a primeira admitiu expressamente a censura, ainda que “excepcionalmente”) – que devem ser na mesma linha do Relator.
Estaremos, então, a assistir ao cortejo fúnebre na ordem jurídico-constitucional brasileira. Afinal, estes que formarão maioria, destinados foram e estão, pelo “sistema”, a compor uma melancólica e trágica farsa. Bolsonaro, esfaqueado, perseguido e humilhado por tanto tempo, deverá ser condenado a uma pena de 30 anos de cadeia (equivalente, na espécie, à perpétua), coisa que nem os traficantes mais perversos estão a experimentar.
Com o seguir da funesta carruagem, minha tristeza se transformará em LUTO. Assim o digo, pois não sei se haverá embargos dessa decisão ou se será proposta uma Ação Rescisória da sentença que o tronou inelegível. Muito menos se, mantidas a condenação e a inelegibilidade, for aprovada a imprescindível AMPLA, GERAL E IRRESTRITA ANISTIA pelo Congresso Nacional. A “suprema corte” irá nulificá-la?
Que cada um reflita e peça a Deus que salve o nosso País.
*Valmir Pontes Filho
Advogado e professor.