“Sequer me causa mais surpresa que esse mesmo stf autorize genericamente, sem ordem judicial individualizada e fundamentada, a quebra do sigilo bancário de cidadãos”, aponta o advogado e professor Valmir Pontes Filho.
Confira:
(Dedico este modesto escrito ao meu emérito Prof. Adriano Pinto)
Aprendi, com KELSEN, que a validade (juridicidade) de uma Constituição é dada pela respectiva Norma Hipotética Fundamental, ditada concomitantemente por aquele que exerce o PODER CONSTITUINTE (ORIGINÁRIO, necessariamente), a prescrever: “Cumpra-se esta Constituição que foi posta”. Trata-se esta, obviamente, de uma norma PRESSUPOSTA, de natureza lógica!
Rompida a normalidade institucional da Constituição (democrática) de 1946, com o contragolpe militar de 1964 (que visou, segundo meu sentir atualizado, a evitar a implantação de um regime comunista por Goulart & cia), incontáveis atos arbitrários restaram cometidos. Afinal, em todo governo autocrático é isto o que ocorre.
Sobreveio a Carta de 1967 – de legitimidade duvidosa, já que “aprovada” (com prazo certo) por um Congresso manietado e “higienizado” pelas cassações, cuidou-se de editar a “Emenda nº 01, de 1969” – na verdade uma nova Constituição OUTORGADA – a qual manteve em seu íntimo a negação dela própria: o famigerado Ato Institucional nº 5 (AI-5). A ditadura restou escancaradamente implantada.
Em 1970 restou expedido o nefando Decreto-lei nº 1.077, a instituir a censura prévia (tais instrumentos eram expedidos pelo Chefe do Executivo e aprovados por mero “decurso de prazo) Àquela época (ainda) existia uma Suprema Corte com gente íntegra e corajosa. Vencido na votação que considerou “constitucional” o tal “decreto da mordaça”, o insigne Ministro Adaucto Lúcio Cardoso levantou-se da cadeira, jogou sobre ela sua toga e se retirou do Plenário: “este colegiado não me merece”, disse ele!
Do intenso movimento popular pela redemocratização, sobreveio a Constituição de 1988, de INDUVIDOSA LEGITIMIDADE (já que múltiplas foram as participações de grupos da sociedade em sua elaboração), a qual passou a fortalecer as garantias democráticas (da liberdade, em especial) e o federalismo.
Pecou ela, entretanto – à conta das circunstâncias especiais daquele momento de “ressaca” do autoritarismo – por ser minuciosa em excesso. A seu respeito, caustica e ironicamente, chegou a dizer Roberto Campos: “A nossa Constituição é uma mistura de utopias (*) e de regulamentação minuciosa do efêmero(**)”.
A “Carta Cidadã” do saudoso Ulysses Guimarães acabou, hoje, (quase) completamente desfigurada por mais de uma centena (132, ou mais?) de Emendas, algumas até a modificarem o Ato das Disposições Transitórias, algo logica e juridicamente inadmissível. A Constituição do Estados Unidos, com 230 anos de existência, contém 7 artigos e 27 emendas (tudo a caber num caderno de 5 páginas).
Essa sua transfiguração não ocorreu apenas por obra do “poder reformador” formal (limitado), mas à conta da tal “mutação constitucional”, protagonizada pela via interpretativa (sem qualquer mesura à “moldura normativa” kelseniana), realizada pelo atual stf, o pior da história da nossa República. O “supremo” hodierno (SUPREMO MESMO É O POVO, EM SUA SOBERANIA INTRÍNSECA) apoderou-se de funções legiferantes e executivas. Não satisfeito, continuadamente faz pouco da Norma Suprema sem pudor algum.
Disse muitíssimo bem o talentoso poeta e jornalista Barros Alves, em brilhante artigo publicado n’O Estado (de 13/09), que a CF/88 “… agora está a ser vilipendiada, estuprada por impostores que têm a obrigação moral, mais do que institucional, de guardá-la e preservá-la”. Aliás, quando se fala no brilhoso impostor-mor, cujo nome evito pronunciar por razões de profilaxia bucal, cuido de lembrar de uma manchete antiga de jornal:
“ACALMEM-SE! SIM, ELE PE LOUCO, MAS NÃO SERÁ TÃO RUIM ASSIM. AFINAL, SOMOS UMA DEMOCRACIA E TEMOS UMA CONSTITUIÇÃO. A CONSTITUIÇÃO O DETERÁ!”. – Capa do jornal CV-ZEITUNG, em 2 de fevereiro de 1933 e voltado à comunidade judaica, LOGO APÓS A POSSE DE ADOLF HITLER.
Estamos no mais profundo patamar de um fétido poço. Inquéritos diversos (centralizados naquele “do fim do mundo”, apud Marco Aurélio Mello) foram abertos e tramitam ad eternum, embora nulos desde o início, produziram também quase um milhar de presos políticos (um deles falecido no cárcere por culpa de intolerável omissão judicial). Entrou em cena uma “mega-reforma” que aumenta tributos e concentra poder arrecadatório na União, que distribuirá o dinheiro entre Estados e Municípios por meio de um “soviete tributário” (expressão que colhi alhures), composto de 27 membros designados não se sabe como e por quem.
Sequer me causa mais surpresa que esse mesmo stf autorize genericamente, sem ordem judicial individualizada e fundamentada, a quebra do sigilo bancário de cidadãos e autorize (foi o que ouvi dizer) que o Tesouro federal se aproprie de bilhões “esquecidos” em contas bancárias de particulares. Ora, se nem os impostos podem ter caráter confiscatório (CF/88, art. 150, inciso IV), de que se trata isto: de simples e rasa apropriação indébita?
Contínuas as ações que visam ao constrangimento ou à eliminação das liberdades de pensar e expressar o pensamento, coisa que levou diversos jornalistas de notável respeito ao exílio. Agora, para “reconhecer” a farsesca e fraudulenta “eleição” do títere Maduro, na Venezuela, exige-se a publicação das “atas”, ou seja, dos nossos conhecidos “boletins de urna”! Como assim, se aqui se proibiu a impressão dos votos? O pau que bate em Chico não bate em Francisco?
Em resumo, vivemos num País SEM DIREITO VIGENTE. A Constituição de 88, repito, foi DESLIGITIMADA por seus próprios operadores oficiais, a quem competiria “guardá-la”. Noutras palavras, há uma “Constituição” que não possui uma Norma Hipotética Fundamental… a não ser que ela esteja hoje a dizer: “descumpra-se esta Constituição”.
Às lágrimas, resta-me acompanhar seu doloroso cortejo fúnebre. Mas, com o resto de força que me resta, a bradar: CONSTITUINTE JÁ!
Sim, sou a favor – para que se restabeleçam de vez a supremacia constitucional, a segurança jurídica e a LIBERDADE – que se convoque eleição para uma nova Assembleia Nacional Constituinte: mas que seja EXCLSIVA, dissolvendo-se após cumprir seu patriótico labor, e para ela admitidas CANDIDATURAS INDEPENDENTES, sem necessidade de filiação partidária.
Essa NOVA CONSTITUIÇÃO, que preferiria fosse mais principiológica, mas sem descuidar dos aspectos sociais e regionais (lembro-me da defesa do emérito PAULO BONAVIDES do “federalismo regional”). Competiria a ela decidir, soberanamente, sobre seremos uma verdadeira República (ou uma Monarquia constitucional e parlamentarista).
Mas sempre DEMOCRÁTICA em sua totalidade e essência, já que se a democracia é um “péssimo regime de governo, é muito melhor do que todos os outros” (CHURCHILL). Afinal, ser democrata (como ser espírita, como eu) não é para quem pode ou quer, MAS PARA QUEM AGUENTA!
(*) ao “limitar” os juros da 12% ao ano, como se fosse possível revogar a lei da oferta e da procura que, como a da gravidade, é uma lei natural!
(**) ao estabelecer que o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, continuaria “sob jurisdição federal”!
Valmir Pontes Filho é advogado e professor