Com o título “Cristão, esposo, pai, patriota e assassino”, eis título da coluna “Fora das 4 Linhas”, assinada pelo jornalista Luiz Henrique Campos
Sempre vi, com ressalvas ,o discurso daqueles que fazem questão de propagar suas convicções como se aquilo fosse condição natural que a definisse eternamente. Prefiro mil vez vezes a transparência da metamorfose ambulante à fragilidade do absolutismo das certezas. Acredito que o ser humano nasce zerado, puro, e vai se construindo como indivíduo, a partir de sua relação com o mundo, transformando e se transformando diariamente na roda vida que compõe a sua existência.
Dessa forma, avaliamos que as convicções que definem alguém podem perfeitamente mudar, a depender das circunstâncias da vida, ou até mesmo, caso esta pessoa se aperceba, por exemplo, de que não é aquilo que tanto pregou por um longo período. Dai, surge a angústia que, em última análise, diz respeito à crise da existência, quando nos colocamos diante de nós mesmos e nos perguntamos se somos aquilo que achamos que somos ou que nos disseram que somos.
O Brasil recente, da polarização, acentuou o aspecto da convicção como meio de autodefinição de grupo. De um lado e do outro, é possível perceber claramente se você é isso ou aquilo de forma tão consolidada que, por vezes, pode se caracterizar um viés patológico. Assim, símbolos como bandeira, cores e slogans ganham significado não apenas social, mas, também, existencial para o sujeito.
Nesse aspecto, a alteridade passa a ser construída por um discurso simbólico que nos diferencia do “outro” (o adversário) de forma a aliviar a angústia do “eu”. Por meio do discurso, essa condição se aflora na massa, pois ai o indivíduo já não é mais ele e acaba abdicando de sua singularidade para encontrar um refúgio existencial no coletivo. E é ai, quando isso acontece, que tudo o mais é relevado a segundo plano já que estou garantido pela hipocrisia das convicções que me salvam.
Talvez isso explique um pouco o porquê de um empresário “cristão, esposo, pai e patriota”, casado com uma delegada que atua em defesa das mulheres, matar a sangue frio um gari em uma briga de trânsito.
*Luiz Henriqu Campos
Jornalista e titular da coluna “Fora das 4 Linhas”, do Blogdoeliomar.