“O Ceará tornou-se, assim, um laboratório natural dessa inovação, onde método substitui improviso e processo bem desenhado transforma gargalos em eficiência”, aponta o Professor Doutor Mauro Oliveira
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Há empresários que apenas escalam mercados. Há outros, bem mais raros, que redesenham setores inteiros. Suas ousadias não nascem em laboratórios climatizados nem em centros financeiros globais. Elas emergem do chão quente, da persistência que não se rende, do olhar que se recusa a aceitar limites impostos de fora. É dessa coragem, visão e identidade que se constitui o DNA de Joaquim Caracas.
Engenheiro por formação e inventor por inconformismo, Caracas construiu no Ceará uma das experiências mais consistentes de inovação aplicada à construção civil brasileira. À frente de sua empresa Impacto, provou que inovação não depende de CEP privilegiado, mas de método, persistência e capacidade de enxergar o todo. Sua trajetória não se limitou a consolidar uma tecnologia no mercado local. Ele fez uma escolha mais ousada: internacionalizar o PavPlus, uma solução concebida por ele, no Ceará.
O PavPlus do Caracas, utilizado em praticamente todas as obras civis no Ceará, emprega tecnologia nervurada como parte de um sistema construtivo, permitindo maior eficiência estrutural, redução de material e execução mais padronizada e previsível.
Essa internacionalização do PavPlus , que agora se inicia na Letônia, país do norte da Europa conhecido por sua rica convivência entre arquitetura medieval e Art, nasce de uma leitura lúcida do mundo. Levar sua tecnologia para fora do Brasil não é apenas uma estratégia comercial. É um gesto de afirmação. Significa sustentar que uma tecnologia nascida fora dos grandes centros globais pode disputar espaço em mercados exigentes, regulados e competitivos. Implica enfrentar certificações, normas, desconfianças e comparações e responder a tudo isso com engenharia, não apenas com marketing.
Os desafios que o Ceará conhece de perto, tais como escassez de mão de obra, pressão por produtividade, redução de desperdícios e de impactos ambientais, são hoje desafios globais. Caracas percebeu cedo isso. O Ceará tornou-se, assim, um laboratório natural dessa inovação, onde método substitui improviso e processo bem desenhado transforma gargalos em eficiência.
Essa travessia se ancora em anos de desenvolvimento, testes e aprendizado acumulado, materializados em um dado objetivo: Joaquim Caracas é hoje o engenheiro com o maior número de patentes no Brasil na área da construção civil. Patentes que não são vaidade, mas instrumentos de proteção de uma ideia construída com risco, disciplina e persistência.
Curiosamente, esse percurso não foi impulsionado por grandes subsídios à expansão comercial. Nosso país ainda carece de políticas públicas voltadas à valorização da capacidade criativa própria de seu povo, acostumado que é à reprodução de relações de dependência tecnológica.
É aqui que emerge um contraponto no Brasil, especialmente no Ceará de hoje. Enquanto o debate público se anima com a chegada de grandes datacenters de IA das big techs ao Brasil, atraídos por energia barata, incentivos fiscais e território disponível de uma população “sensivelmente calada”, o movimento exemplar de Caracas aponta em outra direção. Datacenters chegam, consomem recursos, importam equipamentos, internalizam pouco conhecimento e deixam vínculos estruturantes limitados. Já a internacionalização do PavPlus faz o caminho inverso: exporta tecnologia, inteligência, método e valor agregado. Um modelo nos coloca como hospedeiros passivos da infraestrutura alheia; o outro nos posiciona como produtores de soluções com identidade própria.
Esse contraste ajuda a romper o velho complexo de vira-lata do colonizado digital. O Ceará pode ser mais do que quintal de datacenters de IA do norte global. Pode ser origem de engenharia, de patentes, de ideias que atravessam oceanos levando consigo valor, conhecimento e soberania produtiva.
E essa visão não se encerra na indústria. Em Guaramiranga, Joaquim Caracas investiu em um projeto que une memória, cultura, turismo e engenharia: o Museu da Aviação com a réplica da Casa de Santos Dumont integrado ao complexo hoteleiro Vale das Nuvens. Ali, a engenharia deixa de ser apenas técnica e se torna narrativa. O passado da aviação inspira, a paisagem acolhe, e o turismo ganha densidade cultural, qualificando o desenvolvimento local.
No fim das contas, o maior legado de Joaquim Caracas talvez não esteja nas patentes, nem nos mercados que atravessa, nem nas fronteiras que insiste em cruzar. Está em cruzá-las de cabeça erguida, sem abandonar o lugar de onde veio.
Em um país que adora importar soluções prontas e exportar talentos baratos, Caracas faz o caminho “errado”: acredita no que é feito aqui. Não pede licença, não espera selo estrangeiro para se sentir capaz, não aceita o papel confortável de colônia tecnológica bem-comportada, nem pede desculpas por ter nascido onde nasceu.
Para as próximas gerações, a lição é simples e incômoda: soberania não se baixa em PDF, não chega em contêiner, não vem pronta no pacote das big techs. Ela se constrói com método, risco e coragem.
Obrigado, Caracas, por ajudar um território inteiro a voltar a acreditar em si mesmo.
Mauro Oliveira é PhD em Informática (Sorbonne University). Foi Secretário de Telecomunicações do Ministério das Telecomunicações