“O verdadeiro desenvolvimento científico é aquele que liberta e não o que terceiriza nossa inteligência coletiva”, aponta o engenheiro Mauro Oliveira
Confira:
A disputa global por datacenters de Inteligência Artificial ultrapassa o campo técnico e inaugura uma nova geopolítica do poder. O que antes era domínio de portos e petróleo agora se traduz em cabos, servidores e algoritmos, a infraestrutura estratégica do século XXI.
Se para Adam Smith o motor da prosperidade nascia da divisão do trabalho e da ação da mão invisível do mercado, hoje a verdadeira “Riqueza das Nações” concentra-se na divisão assimétrica dos dados e na mão visível dos algoritmos, que controlam fluxos de informação e riqueza. As big techs transformaram o ideal liberal em feudalismo digital, substituindo a concorrência pela concentração do poder computacional.
Cada megawatt convertido em cálculo estrangeiro reafirma um ciclo de dependência em que países como o Brasil são “convidados” a fornecer energia limpa e barata para sustentar inteligências artificiais que não controlam. Assim se desenha a nova colonização: silenciosa, digital e revestida de inovação verde.
Sob o discurso da eficiência e da “sustentabilidade”, consolida-se uma arquitetura global de dominação cognitiva, onde o dado é o novo território e a energia, o novo minério. A lógica que orienta esse modelo é a da tirania algorítmica, um poder difuso que se desloca do Estado para as corporações que governam os fluxos informacionais e definem, com autoridade quase divina, o que é verdade, valor e visibilidade.
Diante desse cenário, o Brasil corre o risco de repetir o velho papel colonial, agora não como exportador de açúcar ou minério, mas de energia e dados brutos. Sem uma política sólida de letramento digital que permita à sociedade compreender “quediabeisso”, e sem uma aliança efetiva entre a ciência e o poder político, a “sedutora promessa” dos datacenters de Inteligência Artificial converte-se em armadilha: candidata o país a tornar-se um imenso repositório de processamento alheio, um celeiro energético da IA estrangeira, uma colônia computacional de luxo, abastecida por energia limpa e ilusões tecnológicas, onde cada watt exportado é também um bit de soberania cedido (exagero de Eletrotécnico … rsrsr).
Frente a isso, impõe-se no imaginário de futuro brasileiro uma tríade emancipadora: *o político, o cientista e o jovem*.
O político, não o carreirista de ocasião, mas o estadista consciente do tempo histórico, é quem pode reorientar o poder público para servir ao interesse nacional. Aquele que entende que governar, na era digital, é também proteger dados, valorizar energia e criar conhecimento.
Cabe a ele transformar o Estado em orquestrador da soberania, e não em “despachante das big techs”. Um país cujo Estado se ajoelha diante das corporações dificilmente alcançará soberania tecnológica.
O cientista, porque compreende as engrenagens técnicas e é capaz de transformar conhecimento em soberania aplicada, fazendo da pesquisa um instrumento de emancipação, e não de subordinação. Ele não pode esquecer que ciência é também um ato político e que o silêncio técnico diante das injustiças estruturais transforma o saber em ornamento acadêmico, quando deveria ser ferramenta de libertação.
Talvez tenha faltado uma pitada a mais de ousadia da academia para romper com a “falsa neutralidade” e reivindicar o papel estratégico da ciência brasileira, herdeira de tantos feitos que provam o que podemos quando investimos com método e propósito: da EMBRAER de Casimiro Montenegro ao ELMO, o respirador cearense de Marcelo Alcântara que salvou vidas na pandemia, passando pelo PIX que tanto atormenta o Trump e seus cartões de “prástico”.
O verdadeiro desenvolvimento científico é aquele que liberta e não o que terceiriza nossa inteligência coletiva.
O jovem, porque carrega em si a urgência, a imaginação e a rebeldia capazes de romper paradigmas. É ele quem pode reprogramar o futuro, recusando o papel de usuário e assumindo o de autor da próxima inteligência brasileira.
Herdeiro de um vácuo de sentido deixado por gerações que terceirizaram o pensamento às máquinas, o jovem vive a contradição de ser nativo digital e estrangeiro na própria consciência. Cresceu cercado por telas que o informam, entretêm e aprisionam, enquanto algoritmos invisíveis moldam seus desejos, crenças e afetos.
Mas é justamente nele que habita a possibilidade da ruptura: quando o jovem compreende o código que o condiciona, descobre também o poder de reescrevê-lo e, ao fazê-lo, reinventa o Brasil.
Como diria Belchior, se usasse o NotebookLM: “um economista amigo meu disse que desse jeito não vou viver feliz direito”. E, então, ele expressou-me assim sobre a tríade:
“O Político, o Cientista e o Jovem
é quase uma página Neruda,
totalmente desnuda,
busca a soberania,
contra a tirania.
Pode ser até digital,
mas o jogo é universal:
é o humano que precisa reencontrar-se,
dentro de si … e no global.”
No político, no cientista, no jovem reside uma luta por um país que precisa “reencontrar-se dentro de si … e no global” … e reconhecer-se no espelho de seu próprio futuro.
Que o político ouça, o cientista crie e o jovem acredite: o futuro digital também pode ser brasileiro.
Mauro Oliveira é eletrotécnico (IFCE), mestre em Engenharia Elétrica (PUC-Rio) e PhD em Informática (Sorbonne University). Foi Secretário de Telecomunicações do Ministério das Telecomunicações