“Datacenters e o Entusiasmo do Colonizado” – Por Mauro Oliveira

Mauro Oliveira é PhD em Informática por Sorbonne. Foto: Arquivo Pessoal

Com o titulo “Datacenters e o Entusiasmo do Colonizado”, eis artigo de Mauro Oliveira (autor do livro Soberania Digital – Colonização & Letramento), eletrotécnico (IFCE), PhD em Informática (Sorbonne University), mestre (PUC-Rio) e ex-secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações. “Esta estrutura favorece companhias estrangeiras que não prestam serviços a clientes brasileiros, já que PIS e Cofins são tributos não cumulativos e as empresas nacionais de maior porte poderiam compensar parte desses valores via crédito tributário”, expõe o articulista.

Confira:

Parece ter passado despercebido à equipe do ministro Fernando Haddad o verdadeiro espírito do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que se autodefine como uma “IA para o Bem de Todos”. Ao propor, em parceria com o MDIC e o MCTI, o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (REDATA), o Ministério da Fazenda afasta-se das diretrizes e princípios defendidos pelo PBIA, que priorizam autonomia tecnológica, desenvolvimento nacional e soberania digital.

A proposta levada aos EUA apresenta o Brasil como um paraíso fiscal para as big techs e contradiz o espírito do PBIA, orientado ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País, com foco no fortalecimento da autonomia nacional e da competitividade brasileira no cenário global (p. 24, PBIA).

O REDATA concede suspensão de PIS, Cofins e IPI às empresas que instalarem data centers no Brasil, em troca de contrapartidas tímidas — apenas 2% destinados a P&D e 10% da capacidade reservada ao mercado interno. No papel, soa como avanço; na prática, é um “trickle-down digital”: as gigantes globais ficam com os benefícios, enquanto o país arca com os custos e recebe migalhas.

Esta estrutura favorece companhias estrangeiras que não prestam serviços a clientes brasileiros, já que PIS e Cofins são tributos não cumulativos e as empresas nacionais de maior porte poderiam compensar parte desses valores via crédito tributário.

Ora, o PBIA é cristalino quando define, na Ação 41: Desenvolvimento de data centers nacionais como um pilar da soberania digital. Ele prega a redução da dependência de servidores estrangeiros e a criação de uma “nuvem soberana”, aquela capaz de proteger informações estratégicas de órgãos públicos, centros de pesquisa e instituições de Estado, garantindo que os dados sensíveis dos brasileiros permaneçam sob jurisdição nacional (pág. 85, PBIA).

O contraste PBIA x REDATA é notável! Enquanto o PBIA defende uma infraestrutura nacional, verde e descentralizada, o REDATA surge como uma espécie de atalho colonial high-tech, um “plano de incentivos” que terceiriza o futuro brasileiro da IA e ainda com desconto fiscal. Em vez de fomentar a criação de data centers públicos e privados sob controle nacional, o governo parece disposto a entregar isenção e território para que as big techs consolidem aqui seus depósitos de dados, transformando o Brasil em mero celeiro digital: rico em energia limpa, mas pobre em autonomia e desenvolvimento científico & tecnológico.

Cai bem, agora, a pergunta que não quer calar: por que as big techs querem, a todo preço, ou melhor, ao “mínimo preço”, instalar seus data centers de IA generativa no sul global, notadamente no Brasil?

Lá se vai a resposta para a qual não podemos fazer “ouvido de mercador”: as big techs querem tudo o que o governo oferece (desoneração de impostos, facilidades regulatórias e tudo o mais prometido) e, de quebra, se livrar das complicações socioambientais que já enfrentam lá fora.

Neste contexto, quanto mais se lê o PBIA, mais incomoda o distanciamento do REDATA. Logo nas primeiras páginas, o PBIA desenha com clareza o caminho que deveríamos estar trilhando:

Pag 19, PBIA: O País pode se posicionar como líder em data centers e infraestrutura de IA de baixo impacto ambiental, atraindo investimentos e promovendo inovações em computação verde e eficiência energética em IA. Na página 29, o PBIA deixa claro o propósito maior de toda a sua arquitetura conceitual, um daqueles trechos que deveriam estar colados na parede de cada ministério:

• Promover o desenvolvimento, a disponibilização e o uso da inteligência artificial no Brasil, orientada à solução dos grandes desafios nacionais, sociais, econômicos, ambientais e culturais, de forma a garantir a segurança e os direitos individuais e coletivos, a inclusão social, a defesa da democracia, a integridade da informação, a proteção do trabalho e dos trabalhadores, a soberania nacional e o desenvolvimento econômico sustentável da nação.

Ou seja, a ideia do PBIA é um plano original de um “Brasil brasileiro” sonhava grande e com método. Mas parece que o REDATA, entre planilhas e viagens a Washington, trocou o verbo “desenvolver” por “importar”.

Se as ações da equipe Haddad viessem de um governo liberal, a esquerda as chamaria de “entreguismo da soberania nacional”. Pois, o que vemos é o “entusiasmo do colonizado” essa mistura de deslumbramento e desdém com a dependência tecnológica o que faz o país aplaudir o que deveria regular e importar o que deveria criar.

BORA, Fernando, ainda dá tempo!

*Mauro Oliveira

Eletrotécnico (IFCE), PhD em Informática (Sorbonne University), mestre (PUC-Rio) e ex-secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações.

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Uma resposta

  1. Muito bom o artigo. E ainda tem mais: grande parte desses data centers pedem além de benefícios e isenções, empréstimos de bancos públicos como BNDS, para pagarem com juros suaves em 20 ou 30 anos. Absurdo sobre absurdo!

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