“O pior é que essa cena de corpos expostos na rua já havia visto anos atrás, na mesma cidade, quase no mesmo morro. Não progredimos”, aponta o jornalista Paulo Rogério
Confira:
Só o mais insensível ser humano não ficou chocado com a cena daqueles 50, 60 corpos estendidos no chão da favela depois do confronto entre policiais e membros de facção, no Rio de Janeiro, na semana passada. É uma imagem que fica na memória, que marca 2025 e escancara na cara do brasileiro o tipo de sociedade que vivemos. A banalidade da vida. Ou da morte como queiram.
– Ah eram bandidos, alguns vão dizer; mereciam morrer, defenderão outros. E eu pergunto: Mereciam morrer? Longe de julgar quem tem razão ou não, quem é o algoz e quem é a vítima neste infeliz enredo, a minha reflexão ao ver aquela imagem é sobre a dor de quem fica. A dor que a mãe e o pai de cada um daqueles corpos devem estar sofrendo.
São histórias até banais, semelhantes umas das outras. É o pai e a mãe trabalhando duro para criar cinco, seis filhos, ganhando pouco e vivendo na miséria. Crianças crescendo na rua, sem estudo, sem chances no futuro e vendo no traficante poderoso da região a oportunidade de ficar rico, adorado por todos e fazendo o que bem entende. Triste ilusão.
Pais e mães que choram o próprio fracasso dos conselhos dados ao filho, das horas de conversa perdidas ensinando o certo ou errado. Casos iguais a outros, embora em lugares distantes entre si centenas de quilômetros. O pior é que essa cena de corpos expostos na rua já havia visto anos atrás, na mesma cidade, quase no mesmo morro. Não progredimos, estancamos e obtivemos o mesmo resultado nefasto de mortes entre “mocinho x bandido”, um faroeste urbano.
É esse bang-bang urbano que preocupa. Não só tiroteio diário mostrado nos programas policiais, mas na nossa reação diante desses fatos. Me assusta a passividade humana da maioria diante do corpo sem cabeça, sem língua ou amarrado pelas mãos e pelos pés encontrado na esquina de casa. Simplesmente mudar de canal, como falam os religiosos, pode até ajudar a não entrar na baixa “frequência vibratória” = para aqueles que acreditam – que essas imagens provocam. Se preferirem podem enfiar a cabeça em um buraco também, como um avestruz. O problema vai continuar.
Vivemos em uma sociedade dita “civilizada”, mas me espanto ainda com coisas da época das cavernas. Além dessa imagem dos corpos, teve uma no domingo, em uma dessas corridas de rua disputada lá pelas bandas do Centro de Eventos. Uma prova com inscrições acima de R$ 130, ou seja, gente que tem certo recurso. Pois não é que saquearam os quiosques de patrocinadores como flagelados da seca. Derrubaram grades, empurraram monitores e levaram fardos e mais fardos de cervejas e pacotes de arroz – cru, obviamente.
Necessidade? Não. A julgar pela ação, essa gente deve ser do mesmo tipo daqueles que saqueiam a carga do caminhão tombado na estrada, enquanto o motorista, agonizante, espera alguém chamar o socorro médico.
Quem é o bandido, quem é o mocinho?
Paulo Rogério é jornalista