“De volta aos ácaros e fungos adjacentes” – Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor e escritor, além de ex-reitor da UFC.

“Amigo da mais grata intimidade deparou-se com diagnóstico severo e graves advertências de seu pneumologista”, aponta o cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto

Confira:

Desta má influência não padece o nosso presidente. Ja confessou não gostar de ler e até supõe que a leitura lhe dá azia. Respeito os seus cuidados com a saúde.

Certa feita, em uma Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, pelos anos 2010, um placas enorme advertia que “ler pode fazer mal à vista”. Sempre gostei destes joguinhos de inteligência. Ri-me, com vontade de acreditar no absurdo da proposição.

Pois bem, vejo-me confrontado, agora, com o que me parece sejam evidências médicas irrecorríveis. alcançadas como fruto de muita pesquisa e ao preço de alegados dólares investidos em causa de tal modo nobilitante.

Amigo da mais grata intimidade deparou-se com diagnóstico severo e graves advertências de seu pneumologista.

À semelhança de alguns da roda intelectual que frequenta, é homem dado ao exercício dos folguedos da inteligência, o que significa andar perigosamente — em meio a livros! Vê-se, em razão destes descuidos, por pura imprudência, exposto aos riscos de ideias ignominiosas que, se não forem condenáveis pela inclinação liberal que carregam, sê-lo-ão pela inspiração radical dos seus despropositados propósitos…

Foi-lhe demonstrada, com fundamentadas explicações, a ação insidiosa dos ácaros [polighagotarsononemos latus], dos fungos [aspergillus fumigatus] e térmitas [heterotermes tenuis] que habitam as páginas amarelecidas dos livros e incunábulos sobre os pulmões. Sem considerar, naturalmente. a pertinaz influência que as ideias podem exercer sobre os espíritos honestos e de boa fé…

Disse-lhe que me houvera tornado vítima de idênticos cuidados, no temor do pior me possa acontecer em decorrência da minha intimidade que mantenho com papéis de toda natureza, sobretudo, os impressos, cuidadosamente recolhidos. A serem lidos ou já folheados e guardados com zelo de colecionador.

A Fibrose [atelectasia], vulgo DPOC, é o pior dos males que podem atacar os leitores praticantes de livros impressos, à moda gutenberguiana.

Ocorreu-me adotar o método empregado por Dom Rigoberto para renovação da sua imensa biblioteca, pletorica de lombadas exibidas, sempre que se dispunha adquirir novos livros. Vargas Llosa descreve os percalços do personagem para criar espaço vital para abrigar novas obras.

Como desfazer-se de livros? De um livro que seja, velho inquilino de uma estante abarrotada deles? Doá-los? Como se ninguém que ver livros cheios de ácaros e fungos na intimidade da sua casa? As bibliotecárias afeiçoaram-se de tal modo aos livros eletrônicos que de papel não os querem mais. Com o advento do “smartphone”, vulgo “celular”, ninguém guarda mais nenhum objeto de papel. As canetas e esferográficas sumiram, ninguém escreve à mão sobre papel. As pessoas inteligentes, digitam. Nem cédulas as criaturas, banhadas de modernidade, usam. As pessoas asseadas preferem o Pix e para leitura demorada — os “e-books”.

Pois então. como “botar fora” um livro? Hein? “Jogá-lo no mato”?

Sob cerco fechado, com o meu estimado clínico (transformado em
amigo por tantos males e enfermidades recorrentes) a ameaçar-me a mandar retirar os tapetes e as cortinas, deixando-me a nu com os meus solertes pensamentos, tomei certos cuidados.

Entro no meu escritório [scriptorium] de máscaras, abro as janelas, escolho os livros para leitura imediata e algumas consultas colaterais, a proteger-me dos fungos mais antigos, como se os estivesse a enxergar a darem-me a língua como faziam os erros de revisão dos livros para o seu autor, queixava-se Monteiro Lobato.

Saio furtivamente, em fuga obsequiosa para não ser alcançado por um fungo ou akguns ácaros impertinente.

Mudei-me com o meu computador e alguns livros eleitos — para a sala onde os mantenho sob vistas preso às tornozeleiras espirituais com as quais deles, os livros, me protejo.

Descobri, por estes dias, que os livros postos em seu devido lugar, na sala de visitas, começaram a multiplicar-se por incomoda forma de reprodução — por cissiparidade, em escala geométrica.

Fazer o quê, Mestre Filomeno? Por enquanto, vamos nos livrando desta fibrose como podemos.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC

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