Com o título “Denúncia de violência de oligarca patriarcal do Crato – A ordem do cel, Nelson era para matar o pretendente que ia fugir com a sua filha”, eis mis um trecho do livro do jornalista Flamínio Araripe intitulado “Eneida Araripe, uma trabalhadora na educação”.
“Atirar para matar”. A ordem era para matar Alfredo e os dois cavalos. Dois cavalos selados”.
Confira:
Ele ia chegar de madrugada no casarão no sítio Lameiro, no Crato, para ‘roubar’ Augusta, a única filha mulher do coronel Nelson da Franca Alencar (1846-1933). Ao interceptar a carta com a proposta de fuga de Alfredo para Augusta, o coronel ficou “possesso”. Obrigou a filha a escrever a resposta. “A letra trêmula, as linhas do papel manchadas de lágrimas, ela escreve as palavras ditadas pelo pai”, relata Eneida Figueiredo Araripe, no livro que tem seu nome, sobre sua vida e obra, que será lançado em julho, no Crato.
A esposa do coronel Nelson, Leonildes da Franca Alencar, implorou para poupar a vida humana e dos animais. Foi atendida. Mas ia ter bala na chegada do pretendente. Os jagunços do coronel se posicionaram à espreita nas janelas e em local estratégico para impedir a fuga pela única estrada de acesso ao casarão.
“À hora combinada, chega Alfredo para o desditoso encontro. É recebido a tiros. Ninguém sai ferido, pois os tiros foram disparados para cima. A ordem de ‘matar até os cavalos” fora revogada diante das súplicas de minha avó”, conta a neta do coronel Nelson, Ana da Franca Alencar (Donita), em depoimento colhido por Eneida Araripe, sua nora. “Alfredo leva um grande susto, enche-se de espinhos pela corrida espavorida dentro do macaubal. Breve cicatrizaria. Mas, para Augusta, ferida no mais profundo da alma, jamais haveria recuperação”, acrescenta a autora. O pretendente fugiu em disparada pela mata fechada com adensamento da palmeira macaúba, que tem espinhos graúdos e fruto docede mesmo nome.
Denúncia e diagnóstico de abusador
O caso de violência patriarcal cometida contra a filha por um potentado oligarca dono de terras, engenho de rapadura e gado no Crato e no Piauí, impressionou a neta, Donita, que registrou o acontecimento em seu caderno. A denúncia veio a se tornar pública por artigo de Eneida Araripe na revista “Itaytera” (1988), que será republicado no livro “Eneida Figueiredo Araripe – Vida e Obra”.
O episódio marcou a vida da filha do coronel para sempre. “Augusta viveu parte considerável de sua pálida existência em verdadeira clausura, por causa de um casamento frustrado pelo pai”. Em casa, vivia do quarto para a sala de refeições e não ligava para os vestidos caros presenteados pelo pai para comprar a sua conformação, jogados num baú. A tragédia perseguiu Augusta até o fim de seus anos, registra Eneida Araripe com base nas anotações de Donita, “Por obediência casou-se jurando não fazer vida com o marido, jamais. Mas, a delicadeza, paciência e persistência dele, depois de muitos anos, conseguiram derrubar as barreiras da obstinada Augusta. O neto anunciado era esperado com ansiedade e alegria pelo esperançoso avô. Infelizmente, porém, ao dar à luz, Augusta falece com o seu infeliz rebento…”
Bisneta do coronel Nelson, a advogada Moema de Alencar Araripe, comenta sobre o seu bisavô: “diagnostico como abusador. Era violento e tentou se suicidar por ficar cego com catarata. Operado pelo primo Meton de Alencar, voltou a enxergar”. “O coronel Nelson dizia para meu pai – Antônio de Alencar Araripe – que, se fosse governante, mandava matar todos os velhos, porque não serviam para mais nada”, acrescenta Moema. Aos 87, o seu bisavô se enforcou com uma corda que teceu com os fios da rede. Os parentes escondiam dele armas de fogo, facas e cordas, por saberem da tendência suicida.
*Flamínio Araripe
Jornalista de pesquisador.
*O livro está em pré-venda: R$ 62 + R$ 10 (frete). Pedidos por e-mail flaminio.a@gmail.com ou WhatsApp (85) 99615-1449.