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“Descalça vou para a fonte” – Por Tuty Osório

Tuty Osório é jornalista, publicitária e escritora

“Sou imigrante num País que é meu, onde me sinto em casa sem usurpar nem pedir emprestado”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório

Confira:

Ser imigrante nunca é fácil. É perder para sempre um tempo, não uma terra, até no caso em que se possa voltar ao lugar onde se nasceu, onde se viveu a infância, onde foram fundadas as suas crenças, valores existenciais, hábitos alimentares. Sou imigrante num País que é meu, onde me sinto em casa sem usurpar nem pedir emprestado. Meu caso é de acolhimento, empatia por mim, abraço desinteressado, a não ser pelo objetivo de me fazer sentir bem. Vim para o Brasil com 10 anos e sinto-me brasileira, independente dos documentos, que me classificam como acesso a direitos civis e políticos, iguais. Porém, posso requerer a dupla nacionalidade e vou fazê-lo por nada, pela alegria de ser, também, pela lei.

Nasci na cidade do Porto, em Portugal, a 1 de maio de 1965. Mais tarde estudei em Lisboa, na Universidade Nova, voltando a uma pátria que ainda se encontrava como tal. Não era mais um império colonial, havia enfrentado corajosamente a ditadura que a oprimiu por 50 anos, ao realizar a Revolução dos Cravos. Atravessou a guerra, a ameaça do caos, sobreviveu a si mesma e se ressignificava numa negociação delicada de adesão à Comunidade Econômica Europeia, mais tarde nomeada de União Europeia. Há polêmica se essa entrada na Europa Política foi positiva para Portugal. Não tenho opinião formada. Suspeito que não havia opção. Hoje o pequeno território que se percorre num dia, 12 milhões de habitantes, natureza e arquitetura de uma beleza comovente, resiste instalado entre o mar e a Espanha, tendo a sua cultura espalhada pelo mundo.

Carrego a culpa do colonialismo, mesmo sem o ter protagonizado em consciência e ação. Condeno, deploro, enalteço o seu hipotético fim nas minhas áreas, indigno-me com a sua retomada em outras. Essa culpa não é católica, não tem fé professada, nem oculta. É necessária e há que conviver sem tristeza, com o olhar voltado para um agora que seja sempre melhor que o ontem e sirva de base para um futuro sem violência, injustiça, humilhação. Dizia Fernando Pessoa, em seus épicos cantos que eram contos, Ó mar salgado, quanto de teu sal, são lágrimas de Portugal? Pois é, quanto mais teremos que chorar, todos nós, do mundo inteiro, até secar a sanha cruel que leva à abominação de um ser humano que tortura e mata o seu semelhante?

Em junho comemoram-se as comunidades portuguesas** ao redor do planeta. Somos mais de 300 milhões de falantes, a maioria no Brasil, entoando o que já se pode chamar de brasileiro. São falas boas que nos reúnem e reconciliam. Por mais que os Reis de antes e de sempre continuem ordenando que trêmulos marujos ao leme*** da história, avancem sobre águas e chãos, expulsando, invisibilizando, condenando ao esquecimento o que é vivo e pulsa. Por mais que se exaltem os nobres valentes, é o que temos em comum que nos junta em festas da colheita da ternura.

É um poeta que simboliza o Portugal que é sem fim. É no Ceará que o celebro, sob a aragem de um mar que atravessei ao encontro da paz e da prosperidade.

*Alusão a um trecho de um poema de Luís Vaz de Camões, o poeta maior da língua que é a nossa verdadeira pátria: “Descalça vai para a fonte, Leonor, pela verdura, vai formosa e não segura…”

**!0 de junho, dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas

***Memória do poema O Monstrengo, também constante da Lírica dedicada ao Império Português, por Fernando Pessoa.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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