“Nossa busca de prazer não se dirige apenas ao sexual. As realizações que fazemos na vida são também grandes fontes de prazer”, aponta a psicóloga e sexóloga Zenilce Bruno.
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A partir da psicanálise, compreendeu-se que a lógica do desejo é que ele se sustenta na falta. “Desejamos aquilo que nos falta”. Não podemos desejar o que já possuímos. Fica a questão sobre o que acontece com aquilo que conseguimos e que de certo modo nos satisfez. Será que não podemos desejá-la? Spinoza esclarece dizendo que o desejo não é só falta é também potência. Potência de existir, de agir, de gozar, de alegrar-se. Potência sexual, mas não apenas. O desejo é falta, mas é também movimento que nos faz buscar insensatamente nova satisfação. O desejo, segundo Spinoza é essa força que nos permite amar com apetite. É gozo em potencial. Basta lembrar que o outro, nosso objeto de desejo, é um ser capaz de se fazer sempre, de se recriar a cada momento, e tem a potencialidade de ser sempre novo.
Nossa busca de prazer não se dirige apenas ao sexual. As realizações que fazemos na vida são também grandes fontes de prazer. Nossas produções culturais têm a marca do prazer e do erótico que estão em nós. A música, a pintura, a escultura, a poética, a literatura, tão cheias de imagens sexuais, são fortes expressões do erótico, do prazeroso, do sexual. O sexual em nós traz a marca do erótico. O animal não é erótico. O erotismo responde a uma interioridade do desejo, põe o ser em questão. “Erótica é a alma”, dizia Adélia Prado.
É sabido pela filosofia que sabedoria, em seu sentido original é o método da felicidade, e método significa caminho. Há uma estranha perda de sentido em nós pós-modernos. Talvez pensemos conquistar a felicidade sem sabedoria, apenas consumindo, tentativa de satisfazer os desejos. A felicidade é pensada em geral, como um estado de satisfação total dos desejos, já que a falta produz sofrimentos. Kant sabiamente se refere à felicidade como a “totalidade das satisfações possíveis”, do contrário não há condição humana de felicidade. Oscar Wilde referia-se também a duas tragédias na vida: “não conseguir satisfazer todos os desejos e conseguir satisfazer todos os desejos”.
Na atualidade, vive-se menos em contato com o interno, e a felicidade passou a ser buscada em situações mais externas, em coisas, em posses, em vitórias visíveis. Felicidade é, de certo modo, aparecer na TV e nas redes sociais, parecer celebridade. A intimidade não é mais nossa, é posta ao sabor do olhar do outro. Gozo cada vez mais voyeur. E não se trata de ver o belo, o estético, mas de ver o que não devia estar exposto, é um certo prazer de invadir, de esquadrinhar, de acabar com qualquer mistério, de revelar tudo.
Que nos libertemos do ciclo da esperança alienante e da decepção, angústia e tédio que ela causa. Ao invés disso, viver de fato, o que se pode viver. É bom fazer amor quando se tem vontade, com a pessoa que se deseja, quando sentimos sua falta, está aqui, entrega-se, está disponível, deseja também. É o que se chama de felicidade em ato, felicidade desesperada, que não espera nada, que age. O contrário de esperar é conhecer, agir e amar. Essa é a felicidade que não nos escapa. A felicidade não é um absoluto, é um processo, um movimento, um equilíbrio instável.
Zenilce Bruno é psicóloga e sexóloga