“Desorganizando as cadeias globais de commodities” – Por Alex Araújo

Alex Araújo é economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços. Foto: Arquivo pessoal

Com o título “Desorganizando as cadeias globais de commodities”, eis artigo de Alex Araújo, economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços. Ele aborda ainda os efetios do tarfifaço de Trump em commodities como o café.

Confira:

O recente tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos sobre o café brasileiro criou um paradoxo que chamou a atenção de analistas e investidores ao redor do mundo.

Em condições normais, quando o maior produtor global é forçado a redirecionar parte de sua produção para outros mercados, seria razoável esperar uma pressão de baixa sobre os preços, já que haveria mais oferta disponível fora do destino original.

No entanto, o que ocorreu foi exatamente o contrário: os preços do café arábica dispararam quase 35% em agosto, segundo dados da Bloomberg, na maior alta mensal desde 2014.

A explicação está na desorganização da cadeia global provocada pelas tarifas. Os exportadores brasileiros foram obrigados a renegociar contratos, ajustar rotas e arcar com fretes mais caros, o que elevou o custo da logística e reduziu a previsibilidade de entrega.

Além disso, lotes ainda isentos de tarifas passaram a ser negociados com prêmios elevados, reforçando a percepção de escassez relativa. Diante desse cenário, torrefadoras norte-americanas correram para se proteger comprando contratos futuros na Bolsa de Nova York, movimento que alimentou a especulação e empurrou os preços para cima.

Esse episódio, aparentemente contraditório, ajuda a compreender como tarifas podem criar distorções em mercados altamente globalizados e integrados. Em vez de aumentar a oferta líquida, o tarifaço fragmentou fluxos comerciais, elevou custos de transação e desencadeou uma corrida especulativa.

É uma lição importante não apenas para o café, mas para outras commodities que compartilham características semelhantes: concentração da produção em poucos países, dependência de rotas logísticas específicas e forte presença nos mercados financeiros de futuros.

Café: um mercado sensível a choques de confiança

O Brasil responde por cerca de 35% da produção mundial de café, de acordo com a Organização Internacional do Café (OIC). Essa posição dominante faz com que qualquer alteração nas regras de acesso ao mercado norte-americano tenha repercussões globais, pois os EUA são o maior importador do grão, e tarifas elevadas sobre o produto brasileiro obrigam compradores a buscar
alternativas em origens menos competitivas — como Colômbia, Honduras e Vietnã —, o que encarece o preço médio global.

Ao mesmo tempo, o café é negociado em bolsas de futuros (Nova York e Londres), o que significa que a percepção de risco e de escassez tem impacto imediato sobre os preços, independentemente do balanço físico de oferta e demanda.

Assim, mesmo em plena safra brasileira, quando a colheita já alcançava 91% no sul de Minas, segundo a cooperativa Cooxupé, os preços não cederam. Pelo contrário, a combinação de incerteza logística, custos de frete e expectativas de menor produção futura gerou alta recorde.

Esse é um bom exemplo de como tarifas, em vez de simples instrumentos de proteção comercial, podem atuar como choques de confiança que bagunçam as expectativas dos agentes econômicos e criam volatilidade em mercados globais.

O efeito extrapolado: outras commodities em risco

O caso do café não é isolado. Outras commodities apresentam características semelhantes e podem ser palco de distorções similares se forem alvo de tarifas ou barreiras comerciais. Entre os exemplos mais relevantes, destacam-se soja, açúcar, suco de laranja, carne bovina, minério de ferro e até petróleo.

A soja é talvez o exemplo mais conhecido de como tarifas desorganizam mercados globais. Em 2018, a guerra comercial entre Estados Unidos e China levou Pequim a impor tarifas sobre a soja americana, tradicionalmente sua principal origem.

O resultado foi um redirecionamento maciço de compras para o Brasil, que ganhou participação no mercado chinês, mas gerou um aumento generalizado nos preços internacionais. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), os prêmios pagos pela soja brasileira em portos como Santos e Paranaguá chegaram a superar em mais de 20% os valores praticados no Golfo do México durante o auge da disputa.

A lógica foi semelhante à do café: tarifas não aumentaram a oferta líquida mundial, apenas mudaram fluxos de forma abrupta e onerosa. O mercado futuro de Chicago refletiu essa incerteza com forte volatilidade, e produtores de diferentes países tiveram que lidar com margens instáveis.

O Brasil responde por cerca de 40% das exportações globais de açúcar, segundo dados da FAO. Isso significa que qualquer barreira contra o produto brasileiro teria efeitos diretos na formação de preços globais. Historicamente, o açúcar já é uma das commodities mais voláteis, por estar sujeito a ciclos de produção e clima (chuvas e secas na Índia, geadas no Brasil). Se um tarifaço
fosse imposto contra o açúcar brasileiro em mercados relevantes, como União Europeia ou EUA, a desorganização poderia levar a prêmios em outras origens (Tailândia, Índia), enquanto os preços em Nova York e Londres disparariam por especulação.

O suco de laranja é um caso ainda mais extremo. O Brasil concentra mais de 70% das exportações mundiais, conforme a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR). Os EUA, principais consumidores, já experimentaram alta de preços em 2023 devido à queda na produção local por furacões na Flórida. Caso tarifas fossem aplicadas contra o produto brasileiro, não haveria alternativa em escala suficiente para compensar a redução. O resultado seria imediato: escassez, prêmios e forte alta nos contratos futuros de suco concentrado congelado na Bolsa de Nova York.

O mercado de carne bovina também é altamente concentrado. Brasil, EUA e Austrália são os maiores exportadores, e a China é o principal importador global. Tarifas impostas em qualquer ponta desse comércio tenderiam a realocar fluxos de forma desordenada, pressionando fretes e criando volatilidade de preços.

Além disso, o mercado de carnes é sensível a barreiras sanitárias, que muitas vezes funcionam como tarifas disfarçadas. O caso da suspensão temporária das exportações brasileiras para a China em 2021, após a detecção de casos atípicos de vaca louca, mostrou como medidas unilaterais podem criar distorções de preços mesmo sem alteração do balanço físico de oferta.

Embora não sejam produtos agrícolas, minério de ferro e petróleo também estão sujeitos ao mesmo mecanismo. O mercado global de minério depende basicamente de dois fornecedores: Brasil e Austrália. Qualquer barreira contra um deles elevaria custos de frete e criaria prêmios de risco em contratos futuros.

No petróleo, o exemplo mais claro foi a imposição de sanções sobre Rússia e Irã. Embora a produção global não tenha caído de imediato, os fluxos comerciais foram redesenhados às pressas, com aumento de custos logísticos e de seguros. O resultado foi a alta do barril em 2022, mesmo com estoques relativamente equilibrados.

Três mecanismos que explicam o paradoxo

A partir desses exemplos, é possível identificar três mecanismos principais pelos quais tarifas e barreiras criam o efeito contrário ao esperado:

1. Desorganização logística – a necessidade de redirecionar cargas, encontrar novos compradores e lidar com fretes mais caros aumenta o custo de transação e reduz a previsibilidade de entrega.
2. Prêmios e escassez relativa – quando parte da produção fica restrita, os lotes ainda acessíveis tornam-se mais caros, criando prêmios em determinados mercados.
3. Especulação e proteção financeira – indústrias e traders recorrem a contratos futuros como forma de hedge, o que alimenta movimentos especulativos e acelera a alta de preços nas bolsas internacionais.

O caso do café e os exemplos de outras commodities mostram que tarifas têm efeitos muito mais complexos do que aparentam. Em vez de proteger c nsumidores domésticos, podem acabar gerando inflação importada, já que os preços sobem em escala global. Para empresas, o desafio é gerir riscos de forma mais sofisticada, combinando instrumentos financeiros, diversificação de
origens e estratégias de hedge de longo prazo.

Do lado dos governos, fica evidente que guerras comerciais e políticas protecionistas podem ter efeito bumerangue. Ao buscar proteger setores internos, terminam desorganizando cadeias globais e repassando custos maiores para consumidores finais. A experiência recente com o café brasileiro é uma amostra de como, em um mundo altamente integrado, medidas unilaterais têm consequências que extrapolam fronteiras.

Conclusão

O tarifaço sobre o café brasileiro evidencia que tarifas não são um jogo de soma zero. Em vez de simplesmente redistribuir oferta entre países, desorganizam cadeias, aumentam custos e desencadeiam corrida especulativa nos mercados financeiros. Esse mecanismo não é exclusivo do café: soja, açúcar, suco de laranja, carne bovina, minério de ferro e petróleo estão igualmente sujeitos a distorções semelhantes.

Em todos esses casos, o paradoxo é o mesmo: mesmo com produção elevada, tarifas criam sensação de escassez e puxam preços para cima. Para empresas e governos, a lição é clara: num mercado globalizado e financeirizado, o protecionismo gera incerteza e instabilidade. O café foi apenas o exemplo mais recente — mas dificilmente será o último.

*Alex Araújo

Economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços. 

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