Com o título “Dia Mundial sem Carro 2025 – Uma Fortaleza sem Transporte Público”, eis artigo de Dimas Barreira, presidente do Sindiônibus. “É preciso lembrar que o transporte coletivo não é apenas um serviço, é uma estrutura vital da cidade. Ele fortalece o direito de ir e vir, promove inclusão social, conecta territórios, reduz a dependência de carros e motos, diminui a poluição e organiza o espaço urbano”, expõe o articulista.
Confira:
Ao escrever este artigo para o Dia Mundial Sem Carro, minha primeira ideia era fazer um esforço positivo de imaginar uma cidade moderna com transporte público super barato, abundante e funcional, a tal ponto que atraísse a quase todos por atender bem, de maneira rápida, confortável e segura. Seria uma cidade inclusiva, feliz e produtiva, com poucos automóveis e muita mobilidade, distribuindo oportunidades e harmonia social. Teríamos muitas pessoas em transporte coletivo, a pé e em suas bicicletas, como tantas cidades admiráveis da Europa, mas mantendo todas as nossas qualidades, nossa brasilidade e cearensidade.
Porém, a realidade tem sido tão dura para quem é militante desse setor, que eu tenho me acostumado, nos últimos 10 anos, a pensar no que será se eu acordar e descobrir que não há mais ônibus circulando em Fortaleza. O que aconteceria?
Apesar de todas as dificuldades, mais de 520 mil pessoas utilizam nossos ônibus diariamente. São estudantes, trabalhadores, mães, idosos, gente que move a cidade. Mas esse serviço essencial está cada vez mais frágil, prisioneiro de um círculo vicioso: perde passageiros, reduz oferta, encarece a tarifa, piora o serviço e perde ainda mais passageiros. Um ciclo que se repete, afastando os usuários que poderiam sustentá-lo e o deixa cada vez mais restrito a quem não tem escolha, especialmente titulares de gratuidades e outros benefícios tarifários.
O resultado já sentimos: linhas que desaparecem, caminhadas cada vez mais longas até o ponto mais próximo, esperas intermináveis, ônibus lotados em horários críticos. Para muitos, já não compensa esperar o próximo. Para outros, o transporte individual, especialmente a motocicleta, comprada ou alugada em aplicativos, surge como alternativa rápida e aparentemente barata. Mas a que custo?
Sem ônibus, o trânsito travaria de vez. As avenidas, já congestionadas, se tornariam muralhas intransponíveis. E o que dizer dos hospitais? Com a explosão de motocicletas, acidentes se multiplicam, superlotando os prontos-socorros e cemitérios com nossos jovens. O problema segue aumentando: mais poluição, mais mortes, mais desigualdade.
É preciso lembrar que o transporte coletivo não é apenas um serviço, é uma estrutura vital da cidade. Ele fortalece o direito de ir e vir, promove inclusão social, conecta territórios, reduz a dependência de carros e motos, diminui a poluição e organiza o espaço urbano. Não investir nele é condenar Fortaleza a ser uma cidade segregada, ineficiente e hostil.
Desde 2015 a Constituição reconhece o transporte como essencial. Apesar disso, diferentemente de saúde e educação, não se atribuiu um volume mínimo obrigatório no orçamento público para sustentá-lo. Frações como 3% a 4% do orçamento deveriam ajudar muito na maioria dos municípios, mas não se consegue esse espaço. Resultado: as prefeituras tentam equilibrar o impossível e as empresas resistem à beira da inviabilidade. O colapso não é ficção, é iminente!
O Dia Mundial Sem Carro, 22 de setembro, nos convida a refletir: não existe cidade viva, justa e sustentável sem transporte público de qualidade. A escolha não é entre ônibus ou alternativas individuais, é entre uma Fortaleza acessível para todos ou excludente e refém do caos.
O atual sistema provê cartões de gratuidade a mais de 50 mil pessoas carentes com deficiência, a maioria com gratuidade também aos seus acompanhantes, 367 mil para pessoas maiores de 65 anos e 223 mil estudantes, além de mais de 300 mil integrações gratuitas a cada dia útil. Sem o transporte público, quem atenderia a toda essa promoção de cidadania e acesso a oportunidades, tão importantes para reduzir desigualdades?
Se queremos futuro, precisamos de coragem e compromisso: tarifa módica, financiamento estável, prioridade no orçamento e qualidade garantida. Cada real investido em transporte público é multiplicado em desenvolvimento, saúde, segurança e, principalmente, cidadania.
Todos, até quem não utiliza diretamente, devemos apoiar o transporte público coletivo por uma cidade funcional, harmônica e justa.
*Dimas Barreira
Presidente do Sindiônibus Fortaleza.
P.S. Confira a entrevista de Dimas Barreira ao Podcastblogdoeliomar aqui.