Com o título “Dilma, Bolsonaro e os Golpes Legislativos ‘Autoimpostos'”, eis artigo de Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo IDP/DF, mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada/Espanha. Cursou pós-graduação lato sensu em Processo Penal na Escola Paulista da Magistratura e em Direito Penal na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo.
Confira:
A vida é repleta de ironias. E há quem diga que “a política é a maior ironia da vida”. Imagine o seguinte: um Presidente da República sanciona uma lei hipotética cujos objetivos são legítimos, além de representarem os anseios mais comuns da população. A título de exemplo: fortalecimento das instituições do País, defesa do Estado Democrático de Direito, a instituição de mecanismos para o combate à criminalidade e o aclamado combate à corrupção.
Imagine ainda que a confecção dessas normas se dê com pompas e circunstâncias, fazendo com que os apoiadores do líder da nação o aclamem pela coragem e pelo espírito público, e naquele momento contribuem para que os índices de aprovação, e até os resultados eleitorais daquele líder sejam os melhores possíveis.
“Mas a política é como as nuvens”. E pouco tempo depois, essas mesmas leis são usadas contra os seus criadores, servindo como substrato jurídico para que este se torne réu, fique inelegível, tenha aliados presos ou, até no caso mais grave, sofra um impeachment. Exemplos práticos não faltam, são recentes e afetam os dois extremos da polarização.
Recentemente, a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por crimes previstos nos artigos 359 L e M, do Código Penal, criados através da Lei 14.197/2021, que pune ataques contra o Estado Democrático de Direito. A ironia? Essa lei foi sancionada pelo próprio Bolsonaro durante seu mandato presidencial, a pretexto de corrigir incongruências decorrentes da utilização da Lei de Segurança Nacional que vigorava desde a Ditadura Militar.
Em 2013, a então presidente Dilma Rousseff sancionou um pacote de leis em resposta às manifestações daquele ano, o que incluía a Lei 12.850 – regulamentando a delação premiada-, e a Lei 12.846 – que versa sobre medidas anticorrupção. Essas que inicialmente foram marcos no combate à corrupção, depois tornaram-se os pilares da Operação Lava Jato, revelando esquemas de corrupção envolvendo empresas estatais e políticos de diversas esferas.
O pacote anticorrupção da ex-presidente também endureceu penas para lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva. Apesar de fortalecer o combate a práticas ilícitas, essas medidas foram usadas contra lideranças próximas à presidente, criando um ambiente de instabilidade que fragilizou seu governo. A delação premiada, que parecia ser a solução para os problemas da corrupção sistêmica, revelou-se uma faca de dois gumes, capaz de desestabilizar a política nacional. Enquanto Dilma tomou essas decisões sob pressão das manifestações populares, Bolsonaro sancionou leis sob o discurso de “defesa da democracia”.
Esses episódios mostram como decisões políticas, inicialmente criadas para fortalecer o Estado, podem se voltar contra seus próprios idealizadores. Dilma e Bolsonaro são exemplos de como a dinâmica do poder é imprevisível. Ambos enfrentaram, em momentos diferentes, as consequências de suas próprias escolhas legislativas. A lição que fica é clara: em um Estado Democrático de Direito, nem mesmo aqueles que moldam as leis estão acima delas pois os efeitos são moldados pela forma como essas leis são aplicadas e interpretadas ao longo do tempo.
*Acacio Miranda da Silva Filho,
Doutor em Direito Constitucional pelo IDP/DF. Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada/Espanha. Cursou pós-graduação lato sensu em Processo Penal na Escola Paulista da Magistratura e em Direito Penal na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo.