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“Dívida pública, IA e criptomoedas como candidatos a novas crises globais” – Por Alex Araújo

Alex Araújo é economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços. Foto: Arquivo pessoal

Com o título “Dívida pública, IA e criptomoedas como candidatos a novas crises globais”, eis artigo de Alex Araújo, economista.

Confira:

A história financeira é marcada por ondas de euforia e pânico. Nas últimas décadas, vivemos a exuberância irracional da internet nos anos 1990, a bolha imobiliária de 2008 e, mais recentemente, os ciclos especulativos das criptomoedas.

Hoje, três potenciais desequilíbrios voltam a chamar atenção de analistas e formuladores de políticas: (1) a crescente fragilidade da dívida pública, (2) a escalada de investimentos na Inteligência Artificial (IA), e (3) a volatilidade estrutural dos criptoativos.

Nenhuma dessas tensões isoladamente configura uma crise inevitável. No entanto, combinadas a um ambiente global de juros altos, desaceleração econômica e instabilidade geopolítica, elas formam um terreno fértil para choques simultâneos.

A crise latente da dívida pública: o novo risco sistêmico silencioso O endividamento público global atingiu patamares inéditos. Segundo o FMI, a dívida mundial ultrapassou US$ 300 trilhões, com economias avançadas exibindo níveis de dívida/PIB próximos aos observados após a Segunda Guerra. Estados Unidos, Itália, França, Japão e Reino Unido operam déficits fiscais elevados, enquanto o serviço da dívida cresce em ritmo mais rápido do que o PIB nominal.

A combinação de juros altos (pós-2022), crescimento fraco e rigidez do gasto público coloca vários países em trajetória insustentável. O caso dos EUA é o mais emblemático: o déficit estrutural se mantém acima de 6% do PIB, enquanto o Tesouro emite volumes crescentes de dívida de curto prazo para financiar o Estado. A cada leilão, investidores exigem prêmios maiores, sinalizando início de “fadiga de demanda”.

A crise da dívida pública tende a emergir de forma não explosiva, mas gradual, até que um catalisador — uma recessão, uma paralisação política (como o risco frequente de shutdown nos EUA) ou uma perda de confiança nos leilões de títulos públicos — gere uma súbita reavaliação de risco.

Se isso ocorrer em uma economia central, como EUA ou Itália, o impacto seria global: fuga para ativos seguros, queda de bolsas, valorização artificial de algumas moedas, aperto de crédito e colapso de demanda global. Os sistemas financeiros nacionais sofreriam simultaneamente pressão sobre juros, câmbio e expectativas.

A bolha dos investimentos em IA: exuberância ou revolução mal precificada?

A corrida pela Inteligência Artificial gerou um ciclo explosivo de investimentos, sobretudo em data centers, processadores, semicondutores e startups. Estimativas recentes apontam para investimentos globais superiores a US$ 1 trilhão até 2030 apenas em infraestrutura. Empresas líderes chegam a negociar a múltiplos de lucro acima de 40x ou 50x, equivalente aos picos da bolha ponto-com.

Há ainda os “efeitos multiplicadores da euforia”, caracterizados pela proliferação de startups com modelos de negócio ainda incertos, pela formação de expectativas de produtividade difícil de verificar no curto prazo, pelo aumento agressivo do endividamento corporativo para financiar o investimento em data centers e por projeções de demanda energética possivelmente superestimadas.

O risco não está na tecnologia em si, cuja relevância parece indiscutível, mas na superalocação de capital em capacidade ociosa, na eventual correção de lucros esperados e no choque energético. Caso os retornos projetados demorem a se materializar, veremos desvalorizações abruptas, falências de startups e reprecificação de grandes empresas — o que já ocorreu com ciclos tecnológicos anteriores.

Essa correção, se profunda, poderia contaminar fundos de venture capital, bancos credores (especialmente aqueles com forte exposição em crédito corporativo de tecnologia) e mercados acionários globais.

A bolha das criptomoedas: volatilidade estrutural com riscos sistêmicos crescentes

Apesar de avanços institucionais, como ETFs (Exchange Traded Funds) de Bitcoin, o mercado de criptoativos continua profundamente alavancado, pouco regulado e altamente concentrado. Em diversos momentos, os preços subiram sustentados por liquidez abundante, não por fundamentos. Episódios como FTX, Celsius e Terra/Luna ilustram a natureza endógena das quedas.

Além disso, as stablecoins vinculadas ao dólar tornaram-se essenciais em transações e podem gerar riscos de corrida; os derivativos de cripto
alcançaram volumes que, em alguns dias, superam os mercados de commodities tradicionais; e a interconexão entre cripto e finanças tradicionais já é significativa por meio de ETFs, plataformas de custódia e fundos regulados.

Esse movimento já começa a dar sinais de materialização: o mercado de criptomoedas, incluindo o Bitcoin, passou por uma correção significativa e persistente nas últimas semanas, refletindo uma aversão ao risco mais ampla entre investidores. Os preços do Bitcoin recuaram aos níveis mais baixos em sete meses, chegando a ser negociados abaixo de US$ 87 mil, um indicativo de que a confiança permanece frágil e sensível a choques externos.

Uma crise severa de cripto pode gerar perdas suficientemente grandes para afetar sistemas financeiros nacionais por três mecanismos principais: o risco de mercado, com quedas abruptas que atingem fundos e investidores institucionais; o risco de liquidez, decorrente de possíveis corridas em stablecoins que pressionam reservas e criam turbulência nos mercados de títulos públicos; e o risco de confiança, quando consumidores passam a associar perdas massivas ao sistema financeiro como um todo.

Caso esse processo ocorra simultaneamente a um aperto monetário ou a uma desaceleração global, seus efeitos seriam ainda mais amplificados.

O ponto de convergência: quando bolhas se encontram 

A característica mais relevante das três bolhas é sua sincronização potencial. Dívida pública, IA e criptomoedas são mercados profundamente interligados por liquidez, expectativas e comportamento dos investidores. Pequenas correções em um segmento podem catalisar correções nos demais.

Exemplos possíveis desse “efeito cascata” incluem um choque nos mercados de títulos de dívida pública que força uma realocação global de portfólios e reduz a liquidez em tecnologia e cripto; uma correção nas big techs que derruba índices acionários, afeta bancos e fundos, diminui o apetite por risco e acelera crises de dívida em economias emergentes; e um colapso em stablecoins que desencadeia corrida para títulos do governo, eleva os juros longos e deteriora as finanças públicas. Em um mundo hiperconectado, choques como esses se propagam quase instantaneamente.

Conclusão

As três “bolhas em formação” — dívida pública, investimentos em IA e criptoativos — não são fatalidades, mas sintomas de um mundo operando sob juros elevados, incerteza estrutural e rápidas transformações tecnológicas. Ao compreender seus fundamentos e canais de contágio, governos e reguladores Restritopodem se antecipar, reduzindo riscos e fortalecendo sistemas financeiros nacionais.

Os governos não precisam reagir com alarmismo, mas sim com preparação estratégica para reduzir a probabilidade de que eventuais bolhas se transformem em crises sistêmicas.

Isso implica reequilibrar a trajetória fiscal por meio de metas plurianuais realistas, regras fiscais críveis, melhoria da qualidade do gasto e alongamento dos prazos da dívida. Também envolve regular o ecossistema de IA para evitar má alocação de capital, estabelecendo padrões mínimos de transparência, exigências prudenciais, mapeamento de riscos de concentração e estímulos à competição.

No campo dos criptoativos, é essencial criar um arcabouço robusto com regras claras de custódia e liquidez, separação entre negociação e custódia, supervisão proporcional ao risco e mecanismos de interoperabilidade regulada com o sistema financeiro tradicional.

Por fim, preparar defesas macroeconômicas continua sendo indispensável: fortalecer reservas internacionais, manter bancos bem capitalizados, dispor de instrumentos de liquidez emergencial e assegurar coordenação eficaz entre as políticas fiscal, monetária e macroprudencial.

A história mostra que crises não surgem da ausência de crescimento, mas da combinação de excesso de otimismo com falta de regulação adequada. Preparação, transparência e boas instituições continuam sendo os melhores antídotos.

*Alex Aráujo

Economista.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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