Com o título “E se a ordem não fosse em Uiraponga, mas na cidade Alpha?”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel RR da PMCe e Mestre em Planejamento de Políticas Públicas. Ele aborda sobre um distrito de Morada Nova que teria virado um deserto por ação de fação criminosa.
Confira:
O distrito de Uiraponga, originalmente chamado de Livramento, possui uma trajetória rica, ligada à religiosidade e à colonização. No início do século XVIII, famílias fugidas do domínio holandês em Pernambuco estabeleceram-se na região do Vale do Jaguaribe, fundando núcleos de povoamento — dentre eles, Livramento. Por volta de 1726, ergueram a Capela de Nossa Senhora do Livramento para abrigar uma imagem trazida de Pernambuco. Uma lenda local diz que a imagem “voltava sozinha” para o distrito, e por isso permaneceram ali.
O distrito de Livramento foi criado oficialmente em 1900, por Ato Estadual, sob o nome original, e, posteriormente, passou a se chamar Uiraponga, conforme decreto de 1943. O nome Uiraponga teria derivado de um registro incorreto da palavra “araponga” (tipo de ave), comum na língua local. Desde então, integra a composição política e administrativa de Morada Nova como um de seus oito distritos.
Localizado no semiárido sertanejo, Uiraponga é marcado por pequenas propriedades rurais e, historicamente, busca melhorias em infraestrutura — uma adutora de água foi implantada entre 2017 e 2018, beneficiando também esse distrito. Nos últimos anos, no entanto, passou a enfrentar sérios desafios relacionados à segurança pública.
No dia 15 de julho deste ano, após o assassinato de um homem considerado braço-direito de um líder faccionado, criminosos ordenaram a saída imediata de todos os moradores do pacato distrito. Por medo, a maior parte da população rural foi obrigada a buscar abrigo em casas de familiares na sede do município ou em cidades vizinhas. Os pequenos comércios que atendiam os moradores fecharam as portas. As crianças abandonaram as aulas, acompanhadas pelos professores, que também deixaram de lecionar. A paróquia, que antes celebrava missas, foi fechada, assim como o salão paroquial.
A cidade tornou-se um deserto. Uma imagem triste — e que retrata fielmente no que se transformou o Ceará: um Estado rendido ao poder paralelo do crime organizado. Infelizmente, o que ocorreu em Uiraponga pode acontecer em qualquer cidade cearense, pois a presença de criminosos armados se manifesta não apenas pela extrema violência, mas, sobretudo, pela falta de confiança da população em uma ação efetiva do Estado para protegê-la.
No entanto, existe um oásis nesse deserto de medo. Nos condomínios de luxo da Grande Fortaleza, como a chamada Cidade Alpha, os mais ricos seguem tranquilos. Não conhecem o terror, a fuga, o abandono. E se um dia uma facção ousasse determinar a saída dos moradores desses paraísos murados, a resposta do Estado não seria lenta nem omissa como foi — e continua sendo — em Uiraponga.
Porque, ao que tudo indica, naquele pobre distrito de Morada Nova, nem mesmo a santa padroeira ousa retornar.
*Plauto de Lima
Coronel RR da PMCe e Mestre em Planejamento de Políticas Públicas.