Sim, nós precisamos ser ouvidas (quando falamos) e lidas (quando escrevemos). Assim como o direito ao voto foi conquistado, o direito à escrita também. No passado, muitas mulheres assinavam com pseudônimos masculinos para desafiar o preconceito de serem publicadas e, consequentemente, lidas. Ser de verdade e levada a sério, custou muito às mulheres ao longo do tempo.
Na semana em que comemoramos (por que não) as conquistas e, ao mesmo tempo, refletimos e cobramos (pois é necessário) mais respeito e legitimidade, convidei mulheres escritoras que admiro para indicarem livros também escritos por mulheres, mas que devem ser lidos por homens também \0/

“A obra nos convida a enxergar o Brasil que muitos fingem não ver. Seus textos atravessam a pele, narrando vidas marcadas pela desigualdade, pelo abandono e pela violência, mas também pela resistência e pelo afeto. A autora constroi, com uma linguagem coloquial, um retrato visceral da negritude e da marginalização, sem nunca perder a ternura. É um livro que machuca e abraça ao mesmo tempo. Daquelas leituras que, ao fechar a última página, deixam a gente olhando para o mundo com outros olhos – talvez mais d’água do que antes”.


“Ler e indicar livros de mulheres é um ato de reconhecimento e resistência. Por séculos, a literatura feminina foi silenciada, minimizada ou colocada à margem, enquanto as narrativas masculinas dominavam o cânone literário. No entanto, as mulheres sempre escreveram, sempre transformaram suas experiências em palavras, sempre desafiaram o mundo por meio da literatura. Ao escolhermos ler e divulgar suas obras, estamos não apenas ampliando o repertório de vozes que nos formam, mas também combatendo a desigualdade histórica que tentou apagar tantas autoras brilhantes. Isso significa dar visibilidade às narrativas que foram invisibilizadas, abrir espaço para que mais mulheres contem suas histórias e garantir que as próximas gerações tenham referências plurais e representativas”, desabafa a escritora Julie Oliveira.
Prepara o print para essa lista!
Obra: “A ficção dos calendários”
Autora: Beatriz Caldas
Ano: 2024 | Editora Penalux
Beatriz é uma das poetas cearenses que mais consegue me prender com sua escrita. Há
sempre algo muito intenso e humano nos seus versos… nesta obra, cada poema é uma
conversa frontal com o tempo.
Obra: “Na memória do corpo”
Autora: Mika Andrade
Ano: 2023 | Editora Moinhos
Um erotismo pulsante. Cada página tem cheiro, suor, tesão e uma infinidade de delírios expressos numa escrita forte e quente. Uma leitura pra quem quer se sentir queimar.
Obra: “YBY KÛATIARA – UM LIVRO DE TERRA”
Autora: Ellen Lima Wassu
Ano: 2023 | Editora Uruatu
Uma chance de aprender e desaprender através de poemas de amor a terra, mas também de
lutas, de guerras ainda necessárias. Um misto de deleite e inquietação, um chamado a retomar
o que nos foi saqueado.
Além de leitora, Julie Oliveira é pedagoga e produtora cultural, escritora com mais de quinze obras premiadas. “Essa luta é parte essencial do meu percurso enquanto escritora, editora e pesquisadora do cordel feminino. Sei o quanto é desafiador romper barreiras em um meio onde a presença masculina ainda é predominante, mas também sei o poder que há em unir mulheres pela palavra. O meu compromisso com a equidade se reflete não apenas no que escrevo, mas também no que publico, no que recomendo e no que ensino. Indicar livros escritos por mulheres é fortalecer esse movimento coletivo de reconhecimento e valorização do talento feminino. É reescrever a história literária com justiça e coragem, garantindo que as mulheres não sejam apenas personagens em narrativas alheias, mas protagonistas de suas próprias histórias”, alegra-se a cordelista.

“Minha indicação de leitura é o livro “Bença, Pai”, da Beatriz Gomes Lessa, lançado em janeiro último, sobre o processo de luto dela, após a morte do pai, em agosto do ano passado. É uma escritora cearense de 24 anos, esse é seu livro de estreia e, apesar do tema tão difícil, é um livro leve e envolvente. Ela faz uma narrativa dos dias e a forma como constroi os textos faz parecer como que estivéssemos ao lado dela, acompanhando e sentindo tudo. É um daqueles livros que parte do individual e nos leva para o universal, por isso, tão impactante: é amor, é saudade, admiração, resistência e muita vida”, conta Erilene Firmino.
“O livro da Beatriz, além do tema em si, vale muito a leitura, principalmente porque nos leva para esse universo da escrita feita por mulheres. É um olhar particular e especial porque reflete o nosso jeito (da mulher) de estar na vida. É a voz de uma jovem e, mesmo assim, já tem, por exemplo, o discurso do cuidar – nas entrelinhas do que apresenta – , que é uma característica comum às mulheres, como se vê nesse caso, independente de faixa etária. Nisso reside parte da relevância de lermos obras de mulheres: precisamos saber o que temos para dizer após tantos séculos de silenciamento. A história de um pode ser pistas de como funciona o todo e esse todo, quando o assunto é mulher, tem muito ainda a ser dito”, reflete Erilene Firmino.
Ler também é uma forma de ouvir. Nós, mulheres, também usamos a escrita como ponte para sermos ouvidas. Às vezes, uma obra é um grito ou um pedido de socorro. Eu tive a honra (que é mais que uma oportunidade) de dar voz a onze mulheres vítimas de violência doméstica atendidas na Casa da Mulher Brasileira do Ceará. Elas não imaginavam que pudessem escrever e, tampouco, publicar um livro.
Ver suas histórias de dor e, ao mesmo tempo, de superação (porque procurar ajuda já é o início de um processo de superação) eternizada em uma obra com ISBN é de um valor imenso para cada uma delas.
Como formadora da oficina que culminou com a concepção do livro “Após a Morte do Conto de Fadas, a Ressurreição”, escutei as alunas dizerem pra mim que a escrita doi e liberta ao mesmo tempo. O poder de multiplicação que a literatura oferece é grandioso. Recentemente, consegui fazer com que a obra chegasse até a apresentadora Ana Hickmann. Agora imagine a emoção das meninas que eu conheci na Casa da Mulher Brasileira ao saberem que um livro tem a possibilidade de ir onde talvez não conseguiríamos chegar.
Viva a literatura \0/
Viva a liberdade \0/
O livro “Após a Morte do Conto de Fadas, a Ressurreição” está disponível na Biblioteca Pública do Ceará, BECE.