“A erotização precoce de meninas é fruto da omissão familiar, da cultura machista e da mercantilização do corpo infantil”, aponta a psicanalista Inez Lemos
Confira:
Como debater o barulho provocado pelo vídeo do youtuber Felca ao denunciar a adultização — garotas expondo imagens sensuais na internet, capturadas por pedófilos?
Há muito essa aberração cochila em gavetas do poder público, conselhos tutelares, famílias e educadores.
Em 2007, lancei o livro Pedagogia do consumo: família, mídia e educação, no qual abordo a erotização precoce — tendência de meninas se vestirem como adultas, com roupas sensuais, sapatinhos de salto, maquiagens, entre outros modismos estranhos à infância. Quais as consequências de estimular a sexualização em crianças?
A cultura machista mostra suas garras cedo. A garota é jogada no mercado como produto a ser consumido, cobiçado. Mães adoram ver as filhas sendo disputadas na escola pelos garotos. Nos aniversários, cantam: “Com quem será que fulana vai casar?” Todos inocentes, tudo boa família. E agora, pais e mães, como responder a esses crimes?
Abortar a infância é pecado, devastação. Compromete relações afetivas no futuro, interrompe o processo de formação da sexualidade — modo como vai circular a subjetividade diante da vida, desejos e angústias. Sexualidade não é sexo; é pulsão de vida, é trazer alegria para o cotidiano, olhar para a lua e arrepiar, desejar namorar, beijar na boca, molhar a calcinha ao lado de quem você ama.
Bem diferente de vender o corpo, se despir diante de câmeras e telas como mercadoria de segunda categoria. Carne barata na mão de pedófilos.
Devemos lutar por mudança na cultura machista, no desejo dos pais em lucrar com a exploração sexual das filhas — lógica de que garota bonita é fonte de rentabilidade. Sem um vento de humanidade jorrando sobre as famílias, pouco se resolverá ao tentar deter a sanha dos criminosos em consumir corpos apetitosos disponíveis no mercado cibernético — plataformas comandadas por algoritmos.
O desejo feminino é complexo, exige mais que enriquecer ou proporcionar vida boa aos pais. É orientado por pulsões que escapam à ordem neoliberal. Mulher gosta de ser reconhecida, amada. Amor é paixão feminina — ele é que faz a mulher se dedicar ao parceiro ou à parceira. Gostamos de nos sentir rainhas na cama, proporcionar prazer, elevar o orgasmo ao topo do mundo. Portanto, parem de sacanear com a vida de nossas garotinhas. Vamos dar a elas o direito de escolherem, na hora certa, a quem abrir as pernas e deixar o sacrossanto do sexo alheio penetrar, munido de amor e carinho.
A caverna feminina não nasceu para ser banalizada ou comercializada na feira escrota dos perversos.
Inez Lemos é psicanalista e autora de “Berro de Maria”, ed. Quixote