“Como em uma espécie de terapia de grupo de mães, elas contam entre si o que não ousam contar para a direção das escolas, diante do constrangimento da possibilidade de uma perseguição que poderia resultar no corte do benefício do Bolsa Família”, aponta o jornalista Nicolau Araújo.
Confira:
Ao levar o filho para a escola municipal no Centro de Fortaleza, diante de um raro imprevisto da mãe do menino, o pai percebeu no trajeto uma pequena prece da criança de 7 anos, que sussurrava a Deus para que não houvesse aula, como forma de ter um dia feliz.
A excessiva carga horária de trabalho e a pressão diária das contas a pagar deixaram o pai ausente do cotidiano de sua família. Mas uma criança que em casa pratica em seus livros a matemática e a leitura não deveria entender a escola como um castigo. Algo haveria de estar errado.
Em uma conversa com a esposa, o pai ouviu casos de bullyings e equívocos pedagógicos na escola do filho, quando a própria criança é vítima, mas que ocorreria também em outras escolas municipais, segundo relatos das mães que aguardam todos os dias o fim da aula, pois não possuem dinheiro para idas e vindas.
Como em uma espécie de terapia de grupo de mães, elas contam entre si o que não ousam contar para a direção das escolas, diante do constrangimento da possibilidade de uma perseguição que poderia resultar no corte do benefício do Bolsa Família, que exige uma frequência escolar em 85% no ano letivo.
Os casos são os mais variados e os mais absurdos, como o de uma criança vítima de bullying, com desarranjo intestinal toda vez que chega o horário de vestir a farda. Diante da diretora, a mãe ouviu que o suposto agressor de seu filho ficaria no outro canto da sala. Ao final, a diretora lembrou do número de faltas do filho… Problema resolvido, para a escola.
Em outro caso, uma mãe possui duas meninas na escola, uma delas com transtorno do espectro autista. Com a falta do medicamento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), a menina não teria como acompanhar as aulas. A escola concordou em justificar as faltas da menina, mas não da irmã, apesar da impossibilidade da mãe em se dividir, além da falta de condições financeiras para bancar um transporte. E, mais uma vez, a escola alertou para o Bolsa Família.
No caso mais recente, a escola decidiu colocar no mesmo horário do recreio crianças de seis e sete anos de idade com pré-adolescentes e adolescentes de 11 e 12 anos de idade, após alegar aos pais que tudo seria ensino fundamental.
O resultado são crianças amedrontadas em uma das salas da direção, enquanto a correria dos adolescentes segue na normalidade, nos poucos metros quadrados para a recreação.
E assim a ordem é estabelecida, para a escola. Tudo dentro da lei do Bolsa Família…
Nicolau Araújo é jornalista pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido