Com o título “Espelho do tempo”, eis mais um conto da lavra de Totonho Laprovitera, arquiteto urbanista, escritor e artista plástico. “Será que essa preferência crescente pelo retrato está ligada a um comportamento mais egocêntrico? Um reflexo de tempos em que o “eu” ocupa mais espaço do que o “nós”?”, expõe o articulista.
Confira:
Como os formatos de imagem nas redes sociais podem refletir os modos de estar no mundo?
Conversando com a amiga Caterina Saboya, chegamos a uma reflexão simples, mas que diz muito sobre o tempo em que vivemos.
De uns tempos pra cá, tem-se observado uma mudança sutil – porém significativa – nas publicações que aparecem nas redes sociais. O formato retrato, aquele mais vertical, tem ganhado disparado do formato paisagem, mais horizontal. À primeira vista, pode parecer apenas uma escolha técnica, ditada pelo modo como usamos o celular. Mas será só isso?
Entre o individual e o coletivo, a forma de enquadrar uma imagem revela muito sobre como percebemos o mundo – e como nos vemos dentro dele. O retrato, centrado e vertical, tende a destacar o indivíduo. A figura humana ocupa o centro, domina o espaço. Já o paisagem abre a cena, dá lugar ao entorno, ao outro, ao contexto que também faz parte da história.
Será que essa preferência crescente pelo retrato está ligada a um comportamento mais egocêntrico? Um reflexo de tempos em que o “eu” ocupa mais espaço do que o “nós”?
Ou seria apenas uma questão de praticidade, de apelo visual, de acordo com a lógica das plataformas?
Em contrapartida, o formato paisagem nos leva a olhar ao redor, a perceber o ambiente, a valorizar o coletivo. Talvez, nesse contraste entre enquadramentos, resida um espelho do nosso tempo: um tempo que precisa reencontrar o equilíbrio entre a autoimagem e a alteridade – entre o indivíduo e a paisagem da vida compartilhada.
Não se trata de julgar formatos, mas de refletir sobre escolhas. E, quem sabe, ampliar o olhar – nos retratos e nas paisagens da convivência.
*Totonho Laprovítera
Arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.