“Dar ou vender uma coleção não é fácil. É doloroso. Cada item obtido tem sua história própria, triste ou engraçada”, aponta o jornalista Paulo Rogério
Confira:
Colecionar é uma característica própria do ser humano. Pelo menos nunca vi qualquer outro animal se deter a catalogar objetos, expô-los e ficar admirando a façanha. Um cachorro, por exemplo, perderia tempo cavando diversos buracos para esconder os ossos que conseguiu caçar pelas ruas? Aqui um pé de coelho, ali adiante um fêmur de capivara, debaixo da cerca tem um raro pedaço de peito de frango caipira de Quixeramobim, mostraria nosso vaidoso vira-latas para a plateia de amigos, todos de língua de fora, balançando o rabinho, arfando e babando.
Não. Esse acúmulo organizado é só nosso mesmo. Levante a mão quem nunca se deteve à nobre missão participar do mundo do colecionismo? Quem jamais foi juntando coisas e logo se viu dono de uma vasta coleção de quinquilharias? E aí vale qualquer coisa. Das tradicionais como bonecas, carrinhos, selos, moedas, figurinhas, a outras não tão comuns caixas de pizza, miniaturas de cadeiras, etc. Freud talvez explique melhor essa mania humana.
Outro dia fui a uma feira de colecionadores em um hotel na Praia de Iracema. Todo ano tem umas duas ou três dessas em Fortaleza. Sai com a certeza de que tem gente muito mais doida que eu nessa arte. Tinha coleção de tudo que nem eu pensava em juntar. Discos, cartões de telefone (lembram?), imãs de geladeira, canetas, maços de cigarro, discos. Uma velharia danada. Incluindo eu e os expositores.
Algo me chamou a atenção. Uma caixa cheia de fotos antigas, ainda em preto e branco, amareladas pelo tempo. E não era de gente famosa. Era de anônimos, de pessoas desconhecidas. Sorrisos que não se sabia para quem era. Personagens em paletós brancos bem engomados, chapéu de palha. Uma sombrinha para aliviar o calor do Sol. A pose na frente da casa, talvez registrando um reencontro de antigos amigos, pai e filho que não se viam, quem sabe, há tempos. Enfim, histórias de vida.
Na hora pensei nas fotos velhas da família aqui de casa. No momento elas seguem enchendo caixas de papelão, esquecidas na parte superior do armário do quarto. Pode ter sido o mesmo destino anterior dessas que estavam expostas na feira. Ironicamente, lembro que algumas fotos minhas de 10, 20 anos atrás estão seguindo o mesmo destino: as caixas vazias. Mesmo aquelas digitais, ainda no pendrive, que corre o risco de, no futuro, nem abrir mais. Somos hoje um pedaço do passado de amanhã.
Quem se desfez daquelas fotos da feira? Um neto desalmado, uma nora rancorosa. Ou outro colecionador cansado. Esse é o grande problema de fazer uma coleção. A pessoa vai juntando os objetos durante toda a vida, arrumando, catalogando, organizando. Tudo bonitinho. E de repente, com a idade avançando, a saúde indo embora, o que fazer com aquele monte de coisas? Morrer e deixar para os herdeiros cuidar não é bom. Vão acabar em uma feira repleta de mascates com a que visitei.
Dar ou vender uma coleção não é fácil. É doloroso. Cada item obtido tem sua história própria, triste ou engraçada. Verdade que geralmente só dono sabe. Só ele valoriza. E nem sabe o preço que pode pedir. Para os outros, são troços amontoados que ocupam espaço. Desfazer-se da coleção é como morrer pedaço a pedaço, gota a gota.
Se vai começar uma coleção, pense bem antes. Se já tem, sinto lhe dizer que terá essa etapa pela frente. É um desapego que precisa ser feito. À força ou não. É o ciclo da vida e da morte.
Eu já tenho a minha coleção de selos para me preocupar.
Paulo Rogério é jornalista e cronista (paulorogerio42@gmail.com)