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“Fã de Brilhante Ustra impede filho de conhecer a ditadura”

Alex Solnik é jornalista

Com o título “Fã de Brilhante Ustra impede filho de conhecer a ditadura”, eis artigo de Alex Solnik, jornalista. “Não leu, não gostou e mandou devolver o livro que ele comprou”, aponta o articulista. 

Confira:

Não era o primeiro livro que voltava às minhas mãos, mas dessa vez não era problema de endereço errado, número inexistente ou morador não encontrado, agora a rubrica no verso do envelope dizia “recusado pelo sr. João Alves”.

Fiquei intrigado, é claro, perguntei ao carteiro da rua quem era o sr. João Alves e por que recusou uma encomenda que alguém mandou pelo correio, ainda mais um livro pelo qual a pessoa já pagou. Mas é claro que o carteiro não sabia nada mais do que dizia a rubrica “recusado pelo sr. João Alves”.

Achei tudo muito estranho. Fui atrás do e-mail do cliente, mas não achei. Deve estar dentro do laptop. Só que sou um semianalfabeto digital e, muito curioso e preocupado em avisá-lo, recorri a uma outra ferramenta: procurei no Google o telefone da portaria do seu prédio, falei com o porteiro – que não era o sr. João Alves, ele é de outro turno, entra ao meio-dia. Então, passei um dia inteiro sem saber o que tinha acontecido, até que no dia seguinte consegui falar com o sr. João Alves.

Eu estava meio furioso com ele, mas me segurei. Perguntei, com toda a elegância, por que ele tinha recusado a encomenda para um morador do prédio. O seu dever era entregar ao condômino, sem questionar.

“Não fui que recusei”, disse ele, completando: “quem mandou devolver a encomenda foi o pai do rapaz”.

Na maioria dos casos, o cliente devolve a mercadoria se ela apresentar algum defeito, mas o pai do rapaz nem abriu a encomenda, o que dá a entender que seu filho tinha contado a respeito do livro e ele, aproveitando-se de sua ausência, decidiu impedir que ele sequer o recebesse. E eu, então, tentando ajudar o rapaz, pedi ao porteiro que lhe dissesse para entrar em contato comigo para darmos um jeito de ele receber o livro.

Dois dias depois, o porteiro avisou que tinha falado com o rapaz. O rapaz não comentou nada e, até agora, não me contatou, nem para explicar o que tinha acontecido, nem para receber o livro pelo qual pagou de alguma outra maneira. Nem para cobrar a devolução do dinheiro, o que dá a entender que ele foi proibido pelo pai de conhecer o ídolo de seu ídolo. Foi impedido de saber que Brilhante Ustra comandou uma casa de extermínio. Só pode ser esse o motivo de devolver um livro por causa do título: “O dia em que conheci Brilhante Ustra”.

Não só a reação do pai é um sintoma grave do nosso tempo como também a reação do filho. O pai é, sem dúvida, um seguidor de Bolsonaro e, portanto, um fã do torturador número 1 do Brasil e da ditadura. O filho é, no mínimo, um simpatizante de esquerda porque eu só vendo meu livro com autógrafo através do 247, eles vivem sob o mesmo teto e um manda e o outro obedece.

Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Eu não vou contar o nome do rapaz, nem seu endereço. Não quero expô-lo, nem ao seu pai, mas quero que saiba que o livro é seu, está e sempre estará à sua disposição, sobre a minha mesa, no envelope que só ele tem o direito de abrir.

Quem sabe um dia seu pai muda de ideia e deixa ele ler o livro.

*Alex Solnik

Jornalista e autor de “O dia em que conheci Brilhante Ustra” (Geração Editorial)

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