“Não tinha um ritual, minha avó ou as pessoas mais velhas, não chamavam a gente pra sentar e ensinar, aprendíamos observando e ouvindo o que os mais velhos iam fazendo e falando”, aponta a pedagoga e contadora de histórias Cynthia Rabelo. Confira:
Tive o prazer de ter vivido, até o começo da adolescência, numa família numerosa. Depois, por conta do trabalho do meu pai, que era transferido a cada dois anos, o convívio ficou “reduzido”.
Éramos apenas, pai, mãe, meu irmão e eu. Com isso, as experiências e os aprendizados também foram reduzidos. Lembro de quando vivia perto de nossos familiares, principalmente a família materna, não raro tinha um parente ou trabalhador da casa ou da roça com algum problema de saúde. Minha avó ou outra pessoa com mais experiência cuidava com “remédios caseiros”, já que morávamos no interior do Amazonas e nem sempre tinha médico na cidade.
Outras vezes, minha avó já dizia que não era doença pra médico, que levasse pra benzer e fizesse chá “disso ou daquilo.” Era assim que aprendíamos sobre remédios e cuidados, que hoje penso, misturavam intuição com conhecimento tradicional e ancestral. Não tinha um ritual, minha avó ou as pessoas mais velhas, não chamavam a gente pra sentar e ensinar, aprendíamos observando e ouvindo o que os mais velhos iam fazendo e falando. Essa era a forma de passar conhecimento e melhorar nossa sensibilidade para ler o mundo.
Quando “ganhamos o mundo” a maioria dessas práticas se perdeu. Pra mim, sobrou a lembrança do uso do mastruz como vermífugo e de chá de alho com limão e mel para curar gripes e resfriados.
Mas perdemos bem mais. Somos atormentados pelo estilo de vida que o capitalismo nos impõe. Não somos bons em conversar sobre momentos tristes. É preciso sempre estarmos alegres, afinal, a vida é uma festa. Ou nisso querem que acreditemos. Posso até concordar, mas não posso esquecer que nas festas existem as pausas, e quando digo de minha infância rodeada de aprendizado sobre “remédios caseiros,” estou falando de pausas entre risos e danças. E ao escrever sobre meu passado, surgem algumas perguntas: Quais ensinamentos estou deixando para minhas filhas, já que muitas vezes eu mesma me pego negando meus momentos de pausa? Como ensinar sobre ler as entrelinhas do cotidiano? E a vida, o que é mesmo? Tantas dúvidas… e uma certeza: precisamos nos reconectar à nossa ancestralidade, aos saberes que não foram industrializados e colocados a serviço do lucro. Precisamos lembrar que somos parte da natureza e não algo alheio a ela. Precisamos falar sobre a vida. E sobre a morte.
Cynthia Rabelo é pedagoga, contadora de histórias e, atualmente, mora em São Luís (MA)