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“Falência da Editora Três: um alerta para a mídia impressa”

Luís Pellegrini é jornalista

“A falência da Editora Três marca um ponto de inflexão no cenário editorial brasileiro”, aponta o jornalista Luis Pellegrini

Confira:

Em qualquer área da atividade humana, o fim de um empreendimento que levou décadas para ser criado e desenvolvido, demandando muita energia e dedicação – sem falar no amor, talento e entusiasmo sem os quais nenhuma ação criativa prospera – é sempre uma notícia triste. Para nós, jornalistas, e todo o pessoal da mídia, é particularmente desoladora a notícia da falência de uma grande casa editora pela qual tantos de nós passamos. Eu mesmo e vários outros membros do Brasil 247 e da TV 247, inclusive nosso diretor Leonardo Attuch, a ela dedicamos muitos anos de nossas carreiras.

A falência da Editora Três foi decretada pela 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo em 3 de fevereiro de 2025. A decisão foi tomada pelo juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, que apontou o descumprimento de compromissos firmados no plano de recuperação judicial da empresa, especialmente em relação aos credores trabalhistas. A dívida acumulada pela editora é de R$ 828 milhões, sendo R$ 820 milhões em débitos tributários. Antes da decretação da falência, a Editora Três havia anunciado, em janeiro de 2025, a transição das revistas IstoÉ e IstoÉ Dinheiro para formatos exclusivamente digitais, encerrando suas versões impressas. Era mais um sinal de uma morte anunciada.

Até o momento, não há informações sobre recursos apresentados pela empresa contra a decisão de falência. A situação atual indica que a falência está em vigor, mas a empresa ainda pode recorrer da decisão. Nada leva a crer, no entanto, que o fará. A dívida é tão alta que, nas atuais circunstancias, torna sua recuperação financeiramente inviável.

A Editora Três era responsável por revistas como IstoÉ e IstoÉ Dinheiro, que tinham um papel importante no jornalismo investigativo e na cobertura econômica. Sua falência reforça a crise dos veículos de mídia impressa e a dificuldade de adaptação ao ambiente digital.

Ponto de inflexão – O fim da “Três”, como a empresa era chamada por nós, profissionais da comunicação, marca um ponto de inflexão no cenário editorial brasileiro, suscitando debates que vão bem além dos números econômicos e adentram questões culturais e estruturais do mercado. Provocará sem dúvida fortes impactos no setor editorial, mas, sobretudo, seria bom que se tornasse exemplo claro e lição para evitar futuras desestruturações de empresas do setor.

Fundada em 1972, em um período de efervescência cultural e importantes transformações políticas, a Editora Três foi, por muitos anos, um importante veículo de disseminação de ideias e literatura no país. Criou e manteve vivas e ativas dezenas de revistas sobre os mais variados assuntos. Sua trajetória se entrelaçou com movimentos intelectuais e sociais, consolidando-a como referência para autores emergentes e leitores ávidos por novas perspectivas. A sua falência, portanto, não representa apenas uma quebra econômica, mas simboliza o desaparecimento de uma voz que, por décadas, contribuiu para a pluralidade do pensamento nacional.

Entre os principais fatores que culminaram na falência da Editora Três, podem ser destacados:

Mudanças no Mercado de Leitura: Com o avanço da era digital, as editoras enfrentaram um declínio nas vendas físicas, uma vez que os leitores migraram para plataformas digitais e e-books. A dificuldade de adaptar modelos de negócios tradicionais para novas demandas tecnológicas foi crucial para a crise. Fui fundador e proprietário de uma das mais importantes livrarias do país, a Zipak Livraria, em São Paulo, especializada em psicologias, esoterismo, artes, comportamento e New Age. Durou 22 anos, de 1978 ao ano 2000, e nela pude testemunhar a derrocada lenta e inexorável da mídia impressa, fagocitada – como foi agora a Editora Três – pelos mesmos fatores:

Crise Econômica e Instabilidade Financeira: A conjuntura econômica nacional, marcada por instabilidade e políticas que, muitas vezes, dificultaram o financiamento e a manutenção de grandes projetos culturais.

Concorrência e Globalização: A crescente competição internacional, aliada à pressão por preços mais acessíveis, exigiu uma reestruturação interna que, infelizmente, não foi suficiente para manter a saúde financeira da empresa.

Migração do público para o digital: Ao longo das últimas duas décadas, os leitores cada vez mais passaram a consumir notícias em tempo real via portais, redes sociais e plataformas como YouTube e podcasts. A mídia impressa, com edições fechadas antes da distribuição, não consegue competir com essa agilidade.

Redução de Receita Publicitária: Anunciantes passaram a investir mais no digital, onde podem segmentar melhor o público e medir o impacto das campanhas. Isso reduziu drasticamente a principal fonte de receita da mídia impressa, tornando seu modelo de negócios praticamente insustentável.

Alto Custo de Produção e Distribuição: Imprimir revistas e jornais exige gastos com papel, tinta, logística e distribuição. Com o aumento do preço do papel e das dificuldades financeiras das editoras, manter edições físicas se tornou inviável para muitas empresas.

Concorrência de Novos Modelos Digitais: Muitos veículos tradicionais que sobreviveram estão investindo em assinaturas digitais, newsletters e paywalls, reduzindo a necessidade de versões impressas. Exemplos incluem o The New York Times, que prioriza assinaturas digitais, e jornais brasileiros como Folha de São Paulo e O Globo, que têm diminuído a tiragem impressa.

Impacto Ambiental e Sustentabilidade: A preocupação com a sustentabilidade também contribui para o declínio da mídia impressa. Empresas e leitores estão mais inclinados a consumir conteúdos digitais para reduzir o uso de papel.

Impactos no Setor Editorial e na Cultura Nacional – A falência da Editora Três traz consigo uma série de repercussões, entre elas a perda de diversidade e pluralidade da informação e da opinião: A saída de uma editora que historicamente apoiava autores e temas diversificados pode levar à homogeneização do mercado editorial, restringindo o leque de vozes e perspectivas disponíveis para os leitores. Um outro ponto é a redução de oportunidades para novos autores. A Editora Três era reconhecida por apostar em novos talentos. Sua ausência pode criar uma lacuna na descoberta e promoção de novos escritores, afetando a renovação e inovação literária no país. Para concluir, a falência da Três constitui um desafio para a preservação da memória cultural. Além do impacto econômico, o fechamento dessa instituição significa a perda de uma parte importante da história cultural brasileira, comprometendo a transmissão de saberes e histórias que moldaram a identidade nacional.

Diante desse cenário, é fundamental repensar estratégias que possam revitalizar o setor editorial. A primeira providência aconselhada é a urgente inovação e adaptação digital. Investir em plataformas digitais e novos modelos de negócio pode ser a chave para resgatar o interesse do público e garantir a sustentabilidade das editoras.

A falência da Editora Três é um sinal de alerta para o setor editorial e para a sociedade como um todo. Mais do que um fracasso econômico, ela reflete a necessidade urgente de transformação e adaptação em um mundo em constante mudança. Nunca esquecer que adaptabilidade é sinônimo de inteligência. No mundo natural, toda criatura, animal ou vegetal que não se adapta à realidade do meio circundante está condenada a desaparecer.

Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

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