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“Feliz aniversário, Jessilene” – Por Luciano Cléver

Luciano Cléver é jornalista

“Chega a culpar a vítima por sua própria morte”, aponta o jornalista Luciano Clever

Confira:

Era tempo de festa junina quando nasceu Jessilene, dia 27 de junho de 1999, um domingo, bem no meio das comemorações de São João (24) e de São Pedro (29). Sua mãe, Das Dores, Transmitiu alegria para a filha, conhecida como brincalhona e de bom coração. Uma guerreira que cuidava com zelo e carinho dos filhos Êmile (4 anos) e Ian Carlos (6).

De família humilde, Jessilene evitou o destino da mãe, analfabeta. Perdeu o tempo de estudo, mas tentava recuperar no curso de Educação para Jovens de Adultos (EJA) do Sesi. De vez em quando, arranjava serviço esporádico, para ajudar nas despesas de casa, mantida pelo marido, servente.

Não era chegada a festas, embora gostasse de curtir, mas fazia isso geralmente em casa, ou na vizinhança, com amigos. Talvez por influência da mãe, evangélica. Mas, resolveu de última hora ir ao show do Raça Negra, na Arena Aeroporto. Surpreendeu amigos e familiares: “Também vou”.

Deixou a filha com uma prima, o filho com a mãe, e seguiu para o “Maior São João de Sobral”, como alardeava a propaganda da Prefeitura de Sobral. No dia anterior, tinha completado 26 anos de idade.

Corria a festa, quando um toró desabou do céu, sem que isso abalasse o ânimo de quem estava na festa. Já virado o dia, na madrugada de sábado, resolveu ir ao banheiro. Foi acompanhada de mais três mulheres, uma delas, criança.

A partir daí, o evento que chocou Sobral.

Sofreu uma descarga elétrica quando se encostou numa barra metálica energizada, ao se desviar de poças do aguaceiro provocado pela chuva. A corrente passou para as outras pessoas (estavam de mãos dadas). Ela não resistiu.

Jessilene não voltou para casa. Sua vida simples, sua alegria, suas brincadeiras se foram para sempre. Os filhos, jamais a verão novamente.

A partir daí, o show se transformou num espetáculo dantesco, diante das manifestações toscas da prefeitura, que soltou uma nota fria, sem alma, tentando se eximir de suas responsabilidades. Depois da repercussão, correu para bancar os custos funerários. A revolta, como numa corrente de energia, espalhou-se desde o bairro por toda a cidade por meio das redes sociais, mostrando a dor da família.

Sua mãe, dona Das Dores, carregou a emoção do seu nome desde o parto à partida de Jessilene, deixando seu lamento em cada reportagem dos blogs sobralenses. Só muita frieza para não se emocionar.

O Maior São João de Sobral começou mal na abertura, ao matar um pouco da tradição junina que ainda resta com a apresentação de Alok. No meio, teve a morte de Jessilene. Continuou com uma nota desrespeitosa do prefeito, fingindo ter mandado suspender o show. E vai continuar com a festa, sem empatia, sem solidariedade

Não é o primeiro ato de incompetência da prefeitura, nem será o último, mas é o primeiro que tem uma consequência fatal. A prefeitura deve reconhecer o erro e indenizar a família. É o mínimo que se espera.

É triste constatar que a cega paixão política, para defender seus amores, chega a culpar a vítima por sua própria morte.

Êêê, triste Sobral.

Luciano Clever é jornalista

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

Ver comentários (8)

  • Que maravilha de texto! Chega a ser um uma mini biografia, uma perícia e um resumo do inquérito do fatal e lamentável acidente da jovem Jessillene. Que Deus a tenha!

    • A matéria do jornalista Luciano Clever sobre o são João de Sobral, que matou, foi uma das poucas cozer da imprensa, se não a única que se levantou com inteligencia.
      Além do descaso da prefeitura, o prefeito ainda teve a impostura de vir a público dizer que suspendeu a festa até terça-feira, em respeito ao luto, quando na verdade não havia nenhuma programação prevista para as datas.

  • Luciano honra o melhor do jornalismo: o que denuncia sem perder a ternura, o que se indigna com a injustiça e se recusa a naturalizar o inaceitável. Sua crônica é um tributo à dor de dona Das Dores, uma convocação à responsabilidade e uma cobrança legítima por justiça. Assim como Eliomar de Lima, ele nos lembra que o jornalismo, quando feito com alma, pode ser também um ato de reparação.

    • Luciano é um jornalista de destaque no nosso Ceará , um homem pronto , maduro e imparcial diante da sua fala, "doa a quem doer" . Não está engessado a nenhum sistema . Brilhante escrita meu irmão, aprecio a sua escrita sempre certeira e crítica . Parabéns meu irmão pela crítica ao que aconteceu em Sobral , a sociedade precisa despertar .

  • Sigam firmes e fortes com o jornalismo realmente de vdd, que sentimos tanta falta hoje em dia.

  • Não tô defendendo a gestão passada, mas observei que os técnicos eram os mesmos, eles são os responsáveis pelo tragico fato, infelizmente uma vida se foi, deixando uma dor e indignação nos familiares, o prefeito se tivesse compaixão, no mínimo os festejos, até o dia do aniversário da cidade

  • Contra o risco de amnésia coletiva, o bom jornalismo precisa deixar registro por escrito - a aflição do povo em meio a tanta má gestão. Parabéns pelo texto.

  • Parabéns pelo excelente texto do jornalista e radialista Luciano Clever neste blog do Eliomar. Ele aborda a questão do descaso com a vida humana. A lamentável morte da jovem Jessilene Mendes de Sousa, de 26 anos, por choque elétrico ao se encostar numa barra elétrica energizada durante uma festa de São João em Sobral, na região norte do Ceará, repercute ainda profundamente em todo o Estado, gerando luto, revolta, indignação e um veemente clamor por mais segurança em eventos públicos e privados. A jovem faleceu após , um incidente que levanta sérias questões sobre a responsabilidade e fiscalização na instalação e manutenção da rede elétrica. A tragédia ressalta a inaceitável persistência de falhas básicas de segurança de empresas privadas e do poder público, que ainda vitimam cidadãos de forma cruel. Espero que este acontecimento doloroso reforce a importância de que a segurança seja sempre a prioridade máxima em qualquer organização de evento. A comoção é grande e o povo cearense está revoltado. Sim, a população e algumas autoridades se questionam como, nos dias de hoje, um evento festivo pode terminar em fatalidade por uma causa tão prevenível. Assim, apelo por maior Fiscalização e Responsabilidade pelo lamentável óbito. Esse acidente reacende a discussão sobre a necessidade urgente de uma fiscalização mais rigorosa e conjunta antes da liberação de energia elétrica para qualquer tipo de evento que envolva aglomeração de pessoas. É imperativo que tanto a concessionária de energia quanto órgãos como o Corpo de Bombeiros, a Prefeitura e o Estado examinem minuciosamente toda a rede elétrica e as instalações fixas e provisórias do local onde vai acontecer o evento. A tragédia que vitimou a jovem Jessilene Mendes de Sousa serve como um triste, porém contundente, alerta às autoridades públicas e privadas. Não se pode mais tolerar que a falta de medidas de segurança adequadas continue a ceifar vidas. Em vista do trágico fato, é fundamental que as autoridades competentes reforcem os protocolos de vistoria e garantia da segurança das instalações elétricas e outras, assegurando que eventos públicos e privados sejam sinônimo de celebração, de alegria; e não de luto. Por fim, reitero que este acontecimento doloroso reforce a importância de que a segurança seja sempre a prioridade máxima em qualquer organização de evento. A sociedade não aceita mais descaso e impunidade. Fica aqui o nosso desabafo. Atenciosamente, Jornalista Nerilson Moreira

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