Com o título “Fidelidade e lealdade”, eis mais um conto da lavra de Francisco J. Caminha, escritor e ex-deputado estadual.
Confira:
Naquele final de tarde o sol já descia o apressado para se esconder na linha do horizonte. Penso que ele sempre anuncia a chegada da escuridão derretendo-se no oceano e nos deixando de presente, por alguns instantes, um céu multicolorido que me faz experienciar uma epifania de agradecimento por minha existência.
Mas, nesse dia partilhava comigo uma mesa na proa do Iate Clube de Fortaleza um grupo de mulheres de meia idade, até que uma delas interrompeu minha meditação quando começou a se lamentar com a amiga do ex-marido que a traiu com uma rapariga. Assim a ouvi conversando:
- Tenho muita raiva dele. Estava saindo com uma outra mulher. Não aceito traição, quando descobri pedi logo divórcio.
Como sou intrometido, entrei na conversa.
- Vocês tem filhos?
- Sim. Dois maravilhosos.
- Ele é um bom pai?
- Nada a reclamar, um excelente pai.
- Ele te tratava bem?
- Sempre foi muito atencioso e nunca me distratou. A gente tinha uma vida feliz, muita cumplicidade e viajamos sempre juntos ou com os meninos.
- E agora como você está ?
- Eu não confio mais em homens. Acho todos sacanas.
- E ele está com ela?
- Não. Tentou voltar comigo e eu não aceitei. Agora soube que ele está com outra namorada.
- Você ainda o ama?
- Tenho raiva dele! Não amo mais.
- Você sabe a diferença de lealdade e fidelidade?
- É a mesma coisa.
- Há uma diferença.
- Veja, ele é um bom pai, fazia o melhor por você. Te dava atenção, carinho e cumplicidade em todos os momentos. Vocês tinham uma vida feliz. Isso se chama lealdade que é uma livre escolha de duas pessoas que partilham a vida. Já a fidelidade é um contrato, uma obrigação imposta pelo controle social e pela cultura. Quem sabe que ele não estaria vivendo somente um momento de renovo de sexualidade?
- É um safado.
- Agora, você está feliz?
- Não. Estou magoada.
- Então você perdeu o homem de sua vida por conta de infidelidade matrimonial e esqueceu a lealdade.
Ela ficou em silêncio e pensativa. E eu voltei a contemplar as últimas nuvens colorida da magia do crepúsculo, na certeza que o sol surgiria na manhã seguinte.
Ela mais uma vez interrompeu minha meditação.
- Sabe, se eu soubesse disso antes, talvez não tivesse me separado.
Aí me veio trechos da letra de uma canção:
Amor é um livro, sexo é esporte
Amor é bossa nova, sexo é carnaval
Amor é divino, sexo é animal
Sexo vem dos outros e vai embora.
Amor vem de nós e demora.
Quando o sexo for uma lembrança e um devaneio ficará a lealdade do amor.
Já chegou a noite. Despedi-me delas e fui.
*F. Caminha
Ex-deputado estadual e escritor.