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“Fortaleza 2024: todos no palanque, menos Luizianne”

Sara Goes e designer e comunicadora

“A política em Fortaleza enfrenta um momento de grande tensão e Luizianne Lins, figura central do PT, se tornou protagonista de uma trama de traição”, aponta a designer e comunicadora Sara Goes.

Confira:

Ao final de um processo interno tecnicamente legítimo e demonstrações públicas precoces de apoio ao recém-filiado Evandro Leitão, deputada federal Luizianne Lins foi mais uma vez escamoteada pelos grandes nomes do partido que ela ajudou a retornar ao Palácio do Bispo (tombado por ela). Luizianne foi a única liderança capaz de firmar a presença do Partido dos Trabalhadores em um território historicamente marcado por tendências conservadoras. 

Apesar de seu papel central na política cearense, Luizianne Lins tem sido repetidamente deixada de lado nas decisões estratégicas do PT. Em um momento decisivo para o Estado, quando seu nome despontava com baixa rejeição e alta popularidade, Luizianne foi preterida como candidata ao governo do estado. Em seu lugar, o então governador Camilo Santana — seu ex-companheiro de movimento estudantil, mas com quem nunca desenvolveu uma amizade sólida  — optou pelo apadrinhado dela, Elmano de Freitas. Esse movimento formalizou o rompimento com Ciro Gomes e mostrou que a barreira entre Camilo e Luizianne estava cada vez mais fina. Só parecia. Luizianne esteve presente na campanha de Elmano de Freitas, seu amigo e protegido, cuja trajetória remete à raiz do Partido: Formado pelas escolas eclesiais de base, atuante no movimento estudantil e advogado do MST no Ceará. Elmano parecia atuar como um elo entre Camilo e Luizianne, para um acordo que eliminaria do PT as forças econômicas e políticas do cirismo, que contaminavam até filiados mais antigos. Só parecia. A escolha iminente de Luizianne como candidata à prefeitura de Fortaleza este ano foi atravessada por mais um ato de traição e o surgimento de uma nova força esmagadora: o camilismo, uma versão pouco carismática do coronelismo urbano de Ciro Gomes, seu velho amigo.

A inusitada indicação de Evandro Leitão como o nome oficial do partido, após uma apressada filiação e impositiva exposição ao lado do presidente Lula, reforça a ideia de que o partido tem se afastado das figuras mais tradicionais e orgânicas. Luizianne, novamente escanteada pela legenda que ajudou a manter viva, aceitou com resignação, recusou qualquer prêmio de consolação e afastou-se de Fortaleza para concentrar esforços no apoio à candidatura de Waldemir Catanho, em Caucaia. Além do amigo Catanho, Luizianne tem manifestado apoio público aos candidatos à vereança que compõem a nova corrente do Partido dos Trabalhadores: Campo de Esquerda. Esta corrente reúne filiados descontentes com o desbotamento do partido. O que dizem – e o que parece – é que para o Palácio da Abolição a deputada se tornou um ímã de polaridade contrária e seus apoios são repelidos e sabotados. E assim deverá se construir a narrativa caso seus apadrinhados não tenham sucesso no pleito. 

Mesmo com a presença de Lula e Camilo, a candidatura de Leitão não tem conseguido decolar como o esperado. Agregadores de pesquisa mostram um cenário em que o PT, com sua atual estratégia que abandona sua estética característica, corre o risco de assistir a uma disputa no segundo turno que combine os candidatos André Fernandes (PL), Sarto (PDT) e Capitão Wagner (União Brasil), este último surpreendentemente mais próximo de Luizianne. O ex-policial militar, bolsonarista assintomático, estaria pronto para receber apoio em um eventual segundo turno. É o que a troca de elogios entre Luizianne e Wagner demonstra.

Enquanto parte da cidade se distrai com a possibilidade de um segundo turno entre o jovem líder da extrema direita bolsonarista, André Fernandes e o pouco conhecido Evandro Leitão, alianças entre PT e União Brasil estariam sendo feitas em Brasília. Fernandes cuja imagem literalmente reconstruída tenta apagar da memória coletiva as baixarias e virulências como seu apoio ao golpe de 8 de Janeiro, cresceu em uma velocidade supreendente nas últimas pesquisas, mas representa uma mudança muito disruptiva para o eleitorado conservador de Fortaleza. Ignorando ou verdadeiramente desconhecendo o caráter moderado do alencarino, Sarto, o atual prefeito, copiou o estilo espontâneo de João Campos e se transformou numa figura esteticamente ridícula com quase 40% de rejeição. E finalmente temos Capitão Wagner cuja trajetória poderia se confundir com a de qualquer fisiologista que se mantém por décadas em Brasília se sua ascensão não seguisse um caminho pouco tradicional. 

Em análise, a trajetória de Wagner revela como as insatisfações internas da Polícia Militar e seu envolvimento com associações profissionais impulsionaram sua liderança. O ex-policial militar se destacou em um contexto de crescente mobilização entre os agentes de segurança no final dos anos 2000. A virada política de Wagner ocorreu quando ele assumiu a liderança da Associação de Profissionais de Segurança Pública do Estado do Ceará (Aprospec), organização que buscava representar diversas categorias de segurança pública com um viés político-partidário claro, com o objetivo de eleger representantes para cargos políticos. Teria sido neste momento em que o ex-policial tentou se filiar ao PSOL antes de ingressar no PR (Partido da República, hoje União Brasil) então liderado pelo ex-governador Lúcio Alcântara, que viu no ex-policial um potencial candidato. A escolha se mostrou acertada, e Wagner começou a construir sua carreira política, consolidando-se como uma das principais vozes da segurança pública no Ceará. Curiosamente, no episódio mais vexatório de sua história e que ele tenta omitir a todo custo, Capitão Wagner voltou a se aproximar do PSol, por iniciativa do partido, interessado em abraçar a causa sindical dos policiais amotinados. Flertando com a esquerda e com a direita, Wagner baseou sua imagem como antagonista dos Ferreira Gomes, mantendo um pé no anti-coronelismo e outro no conservadorismo característico da direita evangélica. Prova disso é o apoio que Capitão Wagner demonstrou em eventuais candidaturas do PT quando estas se colocavam contra o cirismo, logo, se aproximando de Luizianne Lins. Talvez o maior erro na trajetória de Wagner tenha sido, além de dividir constrangido o palco com Bolsonaro em diversos momentos, ter liderado o motim que levou terror ao estado do Ceará e que, em uma reviravolta digna de novela, colocou os Ferreira Gomes em um patamar de inegável heroísmo quando Cid foi alvejado no peito, sob os olhares do Brasil. A liderança naquele movimento que poderia ter se configurado como um importante ponto de virada na luta sindical, se transformou em uma criminosa ação terrorista que se arrastou por mais de 10 anos em pedidos frustrados de anistia e de uma CPI.

Se os agregadores de pesquisas estiverem apontando um norte próximo da realidade, caberá apenas ao recém-filiado ao Partido dos Trabalhadores assistir ao segundo turno e Luizianne Lins com, pasmem, apoio do presidente Lula, no palanque de Capitão Wagner. Ao observar a tragédia que se aproxima, é papel dqueles que articularam o nome de Evandro Leitão uma auto-análise ou, como é próprio da política-partidária, construir uma narrativa para o fracasso que seja tão absurda quanto a presença de Leitão no PT.

É possível, é muito possível, que o enredo que esteja sendo costurado no momento em que você lê esse artigo seja o golpe final em Luizianne Lins: será jogada na deputada toda a responsabilidade do segundo turno entre extrema-direita e direita. A difícil decisão da ex-prefeita em apoiar publicamente Leitão exigia não apenas um profundo entendimento do que está em jogo para toda a esquerda na cidade, mas o esquecimento de que a débil saúde política do partido e suas prioridades não estão sob sua responsabilidade. Nunca coube a Luizianne escolher se estaria ou não no palanque com quem a traiu. A decisão foi tomada sobre ela, mais uma vez e talvez pela última vez.

Pelo bem de Fortaleza, espero estar errada e que a força coletiva da militância de esquerda em Fortaleza seja responsável por uma virada nesta última semana. Mas pelo bem do partido, espero que esta, mais esta traição, ensine algo.

Sara Goes é âncora da TV247, comunicadora e nordestina antes de brasileira

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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  • AS INFORMAÇÕES DE SARA GOIS NESSE ARTIGO É A CONFIRMAÇÃO DA FRASE DO EX - GOVERNADOR CONZAGA MOTA: "A POLITICA É DINAMICA".

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