Com o título “Fortaleza testa a paciência da natureza”, eis artigo de Suzete Nocrato, jornalista e mestra em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará. “É estarrecedor acompanhar relatos na imprensa de que vereadores não sabiam exatamente o que estavam votando; outros admitiam falta de transparência no processo, mas, mesmo assim, seguiram o relator e aprovaram as mudanças. É um desrespeito gritante aos eleitores e moradores da capital cearense”, expõe a articulista.
Confira:
O Brasil, mais uma vez, confirma ser um país que exige da população “sangue nos olhos” para resistir ao repuxo. Apenas uma semana após a COP30, em Belém — quando foram apresentados dados que reforçam que a proteção ambiental é a única alternativa possível para a sobrevivência da humanidade —, o Congresso Nacional, conduzido pelo senador Davi Alcolumbre e pelo deputado Hugo Mota, ambos com
postura considerada chantagista por diversos analistas. derrubou 52 dos 59 vetos do presidente Lula (PT) à lei que flexibiliza as regras ambientais.
A nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental Brasileiro, o famigerado “PL da devastação”, altera de maneira profunda e perigosa as bases de controle ambiental no país. Entre suas medidas mais nefastas estão o autolicenciamento do produtor, a restrição de consulta a povos tradicionais e a flexibilização do corte de vegetação na Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do planeta. Todas essas ações haviam
sido vetadas por Lula, que também barrou a possibilidade de realização de obras que impactem o meio ambiente sem a devida análise técnica dos órgãos competentes.
A derrubada dos vetos reafirma a sensação de que nós, brasileiros, seguimos reféns de grupos econômicos e políticos que defendem seus interesses particulares à revelia do bem comum. É por isso que torço para que o governo federal judicialize essa decisão.
Enquanto o governo federal defende a descarbonização, um plano de transição energética e a conservação florestal, em Fortaleza — administrada por um prefeito petista — a “boiada” avançou sem pudor, à luz do dia. Passem!
Na semana passada, a base de apoio do prefeito Evandro Leitão na Câmara Municipal aprovou o novo Plano Diretor — instrumento que direciona o desenvolvimento da cidade pelos próximos dez anos —, que retira 26 zonas de preservação ambiental e 51 zonas de interesse social, fundamentais para famílias que sequer têm moradia digna. A proposta ainda autoriza a construção de superprédios e centros logísticos em áreas originalmente protegidas, abrindo espaço para mais devastação e desigualdade.
Há duas semanas, escrevi, neste espaço, sobre o meu otimismo em relação à humanidade. E, apesar desses dois golpes contra o meio ambiente, continuo insistindo na esperança de que o jogo pode mudar. Acredito especialmente na força de jovens lideranças políticas, como os vereadores do PSOL Gabriel Aguiar e Adriana Gerônimo, que defendem a mata, seus habitantes humanos e não humanos, e o direito de
coexistência entre gente e natureza, mesmo diante da sanha de especuladores dispostos a destruir áreas verdes com a conivência de gestores públicos e parlamentares. Vale lembrar que Gabriel e Adriana apoiaram o prefeito no segundo turno das eleições de 2024, contra o bolsonarista André Fernandes, provavelmente acreditando que a agenda ambiental seria uma prioridade do chefe do Executivo municipal eleito e não atropelada por interesses imobiliários.
É estarrecedor acompanhar relatos na imprensa de que vereadores não sabiam exatamente o que estavam votando; outros admitiam falta de transparência no processo, mas, mesmo assim, seguiram o relator e aprovaram as mudanças. É um desrespeito gritante aos eleitores e moradores da capital cearense.
Precisamos, com urgência, qualificar as Casas Legislativas em todos os níveis: Senado, Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. E é sempre bom lembrar que não basta um político ser filiado a um partido de esquerda, de centro-esquerda ou se apresentar como progressista. É imperioso que ele defenda, de fato, pautas sociais e compromissos ambientais que garantam um futuro
possível para todos.
Estejamos atentos!
*Suzete Nocrato
Jornalista e Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará.