Com o título “Futuro belo ou aterrador?”, eis artigo de Valmir Pontes Filho, advogado, professor e ex-procurador-geral do Município de Fortaleza. “Sem embargo das palavras de otimismo do palestrante quanto ao futuro do nosso País, devo admitir que, pelo atual “andar da carruagem”, não vislumbro um bom cenário para ele”, expõe o articulista.
Confira:
Sinto-me privilegiado por integrar um grupo de pessoas de alto nível intelectual e cultural (exceção feita a mim mesmo, claro), intitulado “+ Democracia”, cuja existência e funcionamento se deve à colaboração de todos que o compõem. Mas, em especial à capacidade de liderança serena, isenta e firme do Professor GONZAGA MOTA, cuja disposição física e mental para fazê-lo é invejável.
O evento inaugural dele se deu com uma brilhante palestra do Dr. Aldo Rebelo (cuja biografia não precisa ser reproduzida aqui), para uma seleta plateia, sobre a atual situação política do País. Sem desmerecer as origens – o que só valorizou suas palavras e posturas – o orador deixou claro que duas coisas prejudicavam o Brasil: a atuação superpoderosa das ONGs e o desequilíbrio entre os órgãos do Poder, com privilegiamento excessivo do STF (o pior, como já disse, de toda a nossa história).
Sem embargo das palavras de otimismo do palestrante quanto ao futuro do nosso País, devo admitir que, pelo atual “andar da carruagem”, não vislumbro um bom cenário para ele. São constantes, diários até, os exemplos de desprezo pelas regras e preceitos mais básicos e fundamentais para a existência de uma democracia republicana. Entre eles, em especial, o da segurança jurídica.
Já fiz a amargurada assertiva de que a atual Constituição – elaborada em 1988 por uma Constituinte que se transmudou em Congresso legislador comum – e já desfigurada (para o bem ou para o mal, não sei) 140 vezes, morreu e resta insepulta. Não detém mais a sacralidade e a legitimidade que possuía, se é que realmente teve (há que sustente isto).
Além das Emendas regulares, existem as seis emendas aprovadas durante a revisão de 1994 e seis tratados internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados pelo Congresso com quórum de emenda constitucional e, por isso, têm a mesma força. Isto sem falar no Ato das Disposições Transitórias, que, de forma esdrúxula, transformou-se numa “constituição paralela”.
A CF, que deveria ser a fonte de validade de todas as demais manifestações normativas, estatais ou não (inclusive das decisões judiciais), foi reduzida a um inexpressivo, inservível e roto pedaço de papel.
Na verdade, sob a nefasta influência de um tal de “neo-constitucionalismo”, o que vale hoje é a interpretação unilateral e ideologicamente contaminada que dela fazem onze cabeças “iluminadas”, a não conhecerem quaisquer limites em suas ações (ou omissões). Como bem me disse o emérito Professor Rui Martinho, não há mais direito escrito no Brasil.
Por obra e graça da incontida ação jurisdicional de uma dada Corte “suprema”, está a caminho célere a liberação das drogas e do aborto, isto sem falar no assustador cerceamento das liberdades (de opinião, de expressão e de imprensa) por via de reles “resoluções tribunalícias” que, por conta de um milagre às avessas, passam a ter força de lei. Sacrificada resta a liberdade, portanto.
Disse bem o já citado Professor Matinho: “A liberdade pode ser entendida como a sintonia com a vontade geral, proposta por Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), na obra O contrato social, onde advertiu que dita vontade geral não é a vontade de todos, mas não explicou o que seria. Parece ser um entendimento antropocêntrico, que enseja volatilidade da vontade geral, com provável insegurança jurídica e sem esclarecer qual seria o limite do poder que fala em nome da vontade adjetivada como geral. O paradoxo a espreita, neste caso, é ter como livre quem é escravo da vontade geral”.
Não bastasse, agora se dá partida em execrável projeto de alteração do Código Civil, com o propósito de solidificar normativamente uma tal de “perspectiva”, ou “potencialidade de vida uterina” (algo desumano e antinatural) e da liberação dos jovens para fazerem, precocemente, sua escolha de gênero. Os conceitos fundamentais de vida, pauta de costumes e de família, que herdamos das nossas origens judaico-cristãs, ou mesmo oriundas do direito romano, estão a ser dilacerados.
Nem vou falar das últimas eleições, pois apenas COGITAR de sua possível manipulação constitui a prática de um “crime de lesa pátria”. Homens e mulheres comuns que manifestaram sua inconformação com o resultado delas foram (e continuam a ser) condenados como “golpistas”, embora não tenham depredado absolutamente coisa alguma, a penas absurdamente altas (de 16 anos prisão, enquanto homicidas e traficantes recebem, quando recebem, penas leves).
O ex-Presidente, por conversar com embaixadores (na qualidade de Chefe de Estado), teve sua inelegibilidade decretada (aliás, o mesmo está a ocorrer com a ex-futura opositora de Maduro, na Venezuela). Mas, por mais paradoxal que seja para os que o perseguem de modo implacável, é ele recebido nas ruas por multidões entusiasmadas.
O Brasil está dividido, sim… e a manifestação na Avenida Paulista e na cidade de Não Me Toques (RS) provaram isto a fartar. Não se conseguirá, penso eu, unir pensamentos e convicções tão díspares, embora o interesse geral da Nação devesse prevalecer. Então que cada um de nós exerça sua cidadania plena e que a maioria livremente escolha o caminho a seguir doravante.
Estamos a vivenciar um verdadeiro regime de exceção, no qual o medo de retaliações impera. No sábio dizer do Prof. Paulo Elpídio Menezes Neto (ex-Reitor da UFC), vige entre nós uma “democracia, onde o povo dispõe de uma liberdade relativa para obedecer o que os governantes impõem”. Dele também a corretíssima observação de que, nesta canhestra situação em que nos encontramos, “…os governantes são eleitos, mas não podem ser ‘deseleitos’ por decurso de qualificação ou por falta grave de mentira premeditada”. Palavras notáveis e oportunas! Por que não implantar-se o “recall” do Presidente (não importa a longevidade do seu mandato) após decorrida a metade dele?
Dispõe o atual mandatário – que se esmera em criar crises diplomáticas de consequências imprevisíveis, alinhando-se com Cuba, Nicarágua, Venezuela e o Hamas (contra Israel) – de apoio popular incontestável? É ele digno de admiração ao desestimular o desenvolvimento econômico e o empreendorismo (vejam os casos do Uber e do Ifood, que estão para ser desativados no Brasil)? Merece aplausos por subordinar Estados e Municípios, política e financeiramente, ao Erário federal, numa negação do federalismo?
O banditismo impera, a corrupção (verdadeiro “cupim da República”, segundo Ulysses Guimarães) parece rediviva, ordens judiciais ilegais e/ou inconstitucionais são emanadas monocraticamente por magistrados que, em palestras pelo mundo afora ou em entrevistas, antecipam juízos e valor e até decisões (coisa impensável, por exemplo, em se tratando da Suprema Corte americana).
O que pensar e fazer diante desse “festival” de arbitrariedades, senão resistir, ao menos no íntimo de nossas almas? Apesar das opiniões em contrário, sou a favor, sim, da aprovação de uma Emenda convocatória de uma Constituinte, a ser REFERENDADA pelo titular da soberania (o POVO). Não sem antes ANISTIAR os condenados injusta e autocraticamente em tempos recentes e atuais.
Honestamente, se nada mudar, meu sentimento é de temor, angústia e desalento. Nosso futuro pode ser belo ou aterrador… depende de nós. E do amparo de Deus.
*Valmir Pontes Filho,
Advogado, professor e ex-procurador-geral do município de Fortaleza.